Objetivos e intenções do Onda Negra.

O Onda Negra surge como um desejo de exteriorização de algumas reflexões que estão diretamente ligadas à questão racial. Almejamos com este espaço a problematização e discussão sobre temas como o racismo, o preconceito racial e a discriminação. Possivelmente, veremos também discussões sobre processos que apontam para uma predominância da desigualdade social e racial no nosso país.

Em alguns momentos, apresentaremos sugestões, análises e reflexões de filmes que abordam diretamente ou indiretamente a temática racial, ou, que dialoguem com a mesma. Salientamos que dentro desta proposta não deixaremos de abordar, por exemplo: a questão de gênero, os processos do mundo do trabalho e a questão racial, a questão da violência racial e, principalmente, alguns processos que envolvam reparação e ganhos para a população negra, como no caso das políticas de Ações Afirmativas.

Por último, explicamos que a origem do nome Onda Negra foi pensado a partir do livro da Celia de Azevedo, "Onda negra, medo branco". Nesse livro, a autora estabelece um intenso debate em torno das "questões senhoriais travadas por abolicionistas e imigrantistas ao longo do século dezenove. Decerto esse debate ainda se arrastaria pelo tempo não fosse a intervenção dos próprios escravos com suas ações autônomas e violentas, aguçando os medos da 'onda negra', imagem vívida forjada no calor da luta por elites racistas."

Sendo assim, julguei pertinente fazer uma alusão a esta "onda negra" que se tratava do medo das elites com os retrospectos das lutas anti-escravistas (ou por libertação dos negros escravizados) como por exemplo, a Revolução Haitiana; para tratar dos problemas contemporâneos que envolvem a condição do negro em nossa sociedade. Enquanto as lutas ganham força por ganhos de direitos, por igualdade de condições no mercado de trabalho em relação aos brancos, por políticas de reparação e de inclusão com as Ações Afirmativas, percebe-se que todo esse movimento ainda desperta em alguns grupos da nossa sociedade um incômodo, uma desconfiança e a meu ver um medo.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Joaquim Barbosa e os retrospectos dos Negros da Casa Grande e da Senzala – Qual é a contenda desta vez?


O texto a seguir não tem nenhum intuito de discutir os fatores partidários que levam determinados grupos a implicarem com o Joaquim Barbosa e nem o propósito de fazer campanha eleitoral para a sua candidatura à presidência da república. O meu objetivo reflexivo, neste texto, nada mais é do que apontar para questões que podem estar por trás dessa “perseguição” midiática, política e até pessoal que o Joaquim vem vivenciando.

É notícia velha, mas não menos importante, o fato que o atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) é o primeiro negro a assumir tal posição. Dito isso, surgem algumas questões que venho pensando e observando nas redes sociais, em algumas postagens e comentários. Por qual motivo a imagem, alguns fatos, algumas atitudes e posturas do Joaquim Barbosa se tornam alvo de tantas manifestações, reclamações, indagações positivas e negativas, sendo esta última, umas das que mais venho observando ultimamente?

Será que já paramos para pensar o que representa para a nossa sociedade brasileira ver e ter o primeiro negro num cargo de tamanho poder no Brasil? Mesmo com todo o histórico do nosso passado colonial que bem sabemos? Destaco que ele mesmo, em entrevista, vai apontar o Itamaraty como uma das instituições mais discriminatórias do nosso país. Talvez vocês não saibam, mas o Joaquim Barbosa antes de ser indicado para o STF, pelo ex-presidente Lula, já havia passado numa prova para o Itamaraty e só não assumiu o concurso por que não passou na entrevista que era uma das etapas finais do referido concurso. Aqui vai um trecho da sua entrevista:




Ele usou a expressão eliminar indesejados. Indesejado por quê? A partir dessa colocação do Joaquim Barbosa é que chamo à atenção para o que apontei no título deste texto.

O que podemos ressaltar de incomum e alusivo na relação do Joaquim Barbosa no STF com as relações dos negros (entendido aqui como os negros da Casa Grande e os negros da Senzala, guardadas as devidas proporções) e os senhores da Casa Grande?

Se pensarmos no âmbito da relação do negro da Casa Grande com os seus senhores, visto algumas exceções, é bem verdade que existiram alguns choques de interesses nessa relação. Como que entendo esses choques? Não é verdade que todo negro da Casa Grande sempre teve uma postura de subserviência pelo simples desejo de servir; outro fato, é que num determinado momento da história escravista do nosso país, alguns negros que conviveram sob este teto souberam aproveitar algumas oportunidades para potencializar a resistência, a luta anti-escravista e mais a frente a anti-racista, em parceria com negros da Senzala. Almejando com essa atitude o fim da escravidão.

É sabido também que muitos negros se perderam neste caminho se deixando seduzir pelo desejo da brancura, pelo desejo e uso fruto das “benesses” advindas tanto do convívio quanto do status de fazer parte da Casa Grande. Todavia, o que quero destacar aqui é a postura daquele negro que não esquece a sua origem e a importância de se aliar aos negros da Senzala para alcançar a transformação real da sua condição de escravo. Visando, com isso, a extinção das desigualdades que os aprisionam numa espécie de marginalização, degradação e violência que tanto aflige o seu povo.

Neste convívio dentro da Casa Grande é claro que o senhor observa os passos desse negro e sabe dos riscos que corre por tê-lo ali tão perto. O medo é constante. O senhor precisa de estratégias para atrair o negro e fazer com que ele se perca da construção histórico-cultural do seu povo. O senhor não imagina e nem espera ver esse negro como o dono ou com poder de mando e desmando na Casa Grande. É algo inimaginável! Mas também não é impossível. O que era necessário fazer para que eles se protegessem? Para que preservassem a hereditariedade do poder e da riqueza familiar? Sobre isso, leiam as palavras de um especialista no assunto e que por muitos anos prestou acessória a muitos donos de escravos nos Estados Unidos.


[Virginia, 1712.
Senhores:
...
Tenho comigo um método de controle de escravos negros. Eu garanto que se vocês implementarem da maneira certa, controlarão os escravos no mínimo durante 300 anos. Meu método é simples e todos os membros da família e empregados brancos podem usá-lo.
Eu seleciono um número de diferenças existentes entre os escravos; eu pego essas diferenças e as faço ficarem maiores, exagero-as. Então eu uso o medo, a desconfiança, a inveja, para controlá-los. Eu usei esse método na minha fazenda e funcionou; não somente lá mas em todo o Sul.
Pegue uma pequena e simples lista de diferenças e pense sobre elas. Na primeira linha da minha lista está “Idade” [...]. A segunda linha, coloquei “Cor” ou “Nuances”. Há ainda, “inteligência”, “tamanho”, “sexo”, “tamanho da plantação”, “status da plantação”, “atitude do dono”, “se mora no vale ou no morro”, “Leste ou Oeste”, “norte ou sul”, se tem “cabelo liso ou crespo”, se é “alto ou baixo”.
Agora que você tem uma lista de diferenças, eu darei umas instruções, mas antes, eu devo assegurar que a desconfiança é mais forte do que a confiança e que a inveja é mais forte do que a adulação, o respeito e a admiração.
O escravo negro, após receber esse doutrinamento ou lavagem cerebral, perpetuará, ele mesmo, e desenvolverá esses sentimentos, que influenciarão seu comportamento durante centenas, até milhares de anos, sem que precisemos voltar a intervir. A sua submissão a nós e à nossa civilização será não somente total, mas também profunda e durável.
Não se esqueçam que vocês devem colocar o velho negro contra o jovem negro. E o jovem negro contra o velho negro. Vocês devem jogar o negro de pele escura contra o de pele clara. E o de pele clara contra o de pele escura. O homem negro contra a mulher negra.
É necessário que os escravos confiem e dependam de NÓS. Eles devem amar, respeitar e confiar somente em nós.
Senhores, essas dicas são as chaves para controlá-los, usem-nas. Façam com que as suas esposas,  filhos e empregados brancos também as utilizem. Nunca percam uma oportunidade.
Meu plano é garantido e a boa coisa nisso é que se utilizado intensamente durante um ano, os escravos por eles mesmos acentuarão ainda mais essas oposições e nunca mais terão confiança em si mesmos, o que garantirá uma dominação quase eterna sobre eles.

Obrigado, senhores.
William Lynch
(Esse discurso foi pronunciado por um escravagista europeu, William Lynch, em 1712. Ele fora convidado a apresentar uma nova técnica de controle dos africanos deportados para os Estados Unidos, que se revoltavam cada dia, criando problemas para os negócios. William Lynch, pela sua competência e expertise, se tornou um consultor no assunto.)].

Após essa leitura dos métodos e técnicas de controle implantado e utilizado por muitos senhores donos de escravos, expresso que a minha intenção é mostrar que nesse contexto histórico o reconhecimento da diferença que partia dos senhores para os negros, estava diretamente ligado a um desejo de subalternização e inferiorização. Para que assim, jogando uns contra os outros, o domínio fosse mais fácil.

Já pararam para se perguntar os porquês de se falarem tanto e se incomodarem tanto com o Joaquim Barbosa? E dos outros presidentes do STF, falavam o quê? Será que eles eram intempestivos também? Será que eles eram esnobes e arrogantes? Por que tais características ganham mais força e atenção quando se referem ao Joaquim, o primeiro presidente negro?

Quando relaciono metaforicamente o Joaquim Barbosa com o negro que está dentro da Casa Grande e que sintetiza na sua figura a luta e os desejos dos negros da Senzala que não puderam e não tiveram condições históricas para estar lá dentro, quero destacar que esse negro vai despertar a raiva de muitos senhores por não ter sido subserviente como eles esperavam que fosse e nem por ter se contentado com o status de negro da Casa Grande que só aí já desencadeia um fator que o diferencia dos demais negros da Senzala. O que ele pode fazer potencialmente a partir da representação enquanto um negro inserido num cargo de poder dessa magnitude é elevar a voz de um grupo étnico através da sua postura e com suas ações em busca de justiça e igualdade de direitos.

Claro que a implicância não parte somente dos senhores, existem os negros que acabam caindo no desejo da brancura, no desejo do poder, mesmo sem saber; achando eles que estão reproduzindo uma crítica à figura pública e política sobre esse negro da Casa Grande, mas mal sabem eles que estão a dar voz e força aos discursos de figuras como o Lynch que visa desagregá-los para continuar dominando suas mentes por muitos anos. 


Fanon numa passagem do livro “Pele Negra, Máscaras Brancas” coloca que antes de pensarmos no processo de conscientização dos não-negros, torna-se primordial buscar a desalienação do irmão negro. Com o que apresentei nesse texto, com a leitura dos fragmentos da carta (ou discurso) do Lynch, o que sobressai se relacionarmos com alguns processos atuais é que sua tese ganhou espaço entre muitos de nós, mas que felizmente e graças à luta incessante de muitos do movimento negro em conjunto com intelectuais não-negros e negros, destacando o próprio Fanon como exemplo, hoje, não só enxergo os avanços, nesse processo de desalienação, como também os ganhos e conquistas de direitos da população negra e a sua entrada nos principais espaços de poder deste país. 




segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O "exótico" como uma expressão para se referir às características de Negros e Negras. De onde surge?

Ao me deparar com a matéria do portal Geledés sobre Fotos antigas que mostram negros vivendo em zoológicos humanos não pude deixar de comentar e ao mesmo tempo de compartilhar a indicação de um filme. Ele se chama Vênus Negra.





Compartilho com vocês as fotos e em seguida faço um breve comentário e lanço uma pequena sinopse do filme. Recomendo que preparem o emocional e a mente antes de assistir.





A história conta, mas muita gente sequer imagina que um dia negros, índios e esquimós foram tratados literalmente como animais.
A partir de 1935, a Europa começou a receber zoológicos humanos. Neles, pessoas brancas observavam negros, índios e esquimós em cativeiro. Confira as imagens.

















Até o início do século XX, os africanos foram mantidos em zoos em Antuérpia, Basileia, Berlim e Londres. Andavam com trajes típicos e eram obrigados a levar um estilo de vida tradicional: plantando, fazendo esteiras e cozinhando.
Apesar de terem acabado durante a II Guerra Mundial, os zoológicos humanos foram responsáveis pela morte de vários negros em cativeiro.

Fonte: Colunistas IG.


Segue meus comentários:


Nestas fotos se encontra a razão pela qual muitas pessoas ainda tratam nos dias de hoje o negro como um "ser exótico". Sem falar nos que nem isso enxergavam, mas o que viam era um bando de animais que precisavam ser domesticados e civilizados. Vejo nessas fotos a representação fiel da noção de supremacia racial que durou longos anos e há indícios que ainda persista em muitos lugares do nosso globo. Indico o filme Vênus Negra para ver e sentir como o negro, ou melhor, a mulher negra era tratada no decurso do século XIX. 


Vênus Negra "é um filme belga, francês e tunisiano. Biográfico - Drama de 2010, dirigido por Abdellatif Kechiche e estrelado por Yahima Torres. O filme é baseado na história de Saartjie Baartman. O filme conta a história de Saartjie Baartman, uma mulher sul-africana da etnia hotentote, que deixa a África do Sul rumo à Europa, acompanhada por Caezar, seu mestre. Caezar promete a Saartjie um emprego fixo em um circo, onde ela facilmente ficaria rica, mas na verdade ela vê-se obrigada a exibir seu corpo para curiosos em Londres. Devido à sua aparência e seu traços corporais de uma hotentote, Saartjie é vista como uma mulher exótica pelos europeus."




Aqui está o trailer do filme: 






segunda-feira, 5 de agosto de 2013

A USP e sua relutância com as cotas raciais.



Depois de observar por alguns dias manifestações contra a postura da USP que insiste em não aceitar o critério da cota racial e cotas para alunos oriundos de escola pública, com a reserva de vagas em 50% dos seus cursos, fiquei me perguntando o seguinte: por qual motivo essa universidade de São Paulo, prefere fazer um processo de implantação das cotas raciais diferente das demais federais do país? 

Nesta reflexão, me deterei na questão das cotas raciais. Já ouvi falar muito bem do padrão de excelência da USP, pensando no caso que me é mais próximo e da minha formação em sociologia, seu curso de pós-graduação é o de maior conceito do país. Conceito 7. Tornando-se uma das mais conceituadas no que diz respeito à Sociologia. Dito isso, prefiro ficar com este dado a ter que entrar nos dados sobre sua produtividade no campo da saúde e das exatas. Quero destacar também a fama e o fato que dentro da USP são formados uma grande parte da elite branca que se concentram em diversos cargos de poder, tanto dentro da universidade quanto fora - no mercado de trabalho. 

Mesmo sabendo de tudo isso, continuei não contente com tais situações e alimentando um desejo de observar sociologicamente mais de perto. Então, tive a oportunidade de tal observação com a participação num congresso internacional de sociologia do trabalho, dentro desta universidade. Com o olhar atento de um sociólogo negro e oriundo da escola pública, busquei imagens e pessoas semelhantes a mim nos espaços desta universidade. Encontrei muitos brancos, com seus carros importados, seus celulares galaxis I, II..., seus tablets com o símbolo da maça e tal...

Perguntava-me, cadê os negros desta universidade? Cadê os negros participando destes espaços e dividindo todo o processo de construção do saber/poder que ali se dava? Não vou ser injusto dizendo que não vi nenhum negro. Vi sim! Mas, confesso indignadamente que via mais em trabalhos de limpeza, de segurança, vendendo lanches e em trabalhos que não me parecia em pé de igualdade com aquela elite carregada com seus apetrechos que os empoderavam e os faziam circular felizmente pela universidade para mais algumas aulas para exercitarem seu inglês, francês, italiano que provavelmente aprenderam na infância, nas ótimas escolas particulares que seus pais gozando de boas condições financeiras propiciaram para eles. Sei que alguns negros tiveram essas oportunidades também. Mas mesmo assim, só uma seleta minoria de negros tem esta oportunidade. Com isso, digo que quase não vi negros nesta universidade. Vi muito pouco se comparado a sua "grandeza" tanto nas dimensões espaciais quanto nas dimensões do saber.

Sabemos bem que não devemos julgar como correlatos o sucesso de "um" com a possibilidade de conquista do acesso da grande maioria dos negros que, na realidade, não conseguem adentrar na universidade de São Paulo para estudar. É fato que houveram processos históricos de desigualdade, discriminação e marginalização social que foram colocados para o povo negro, na sua história e que ainda são vistos até hoje. Então, está na hora de reparar o dano.

Felizmente, já estamos observando alguns ganhos, nos fortalecendo e exigindo ainda mais direitos e igualdade de condições nas universidades e no mercado de trabalho. Hoje, posso dizer com todas as forças, COTAS RACIAIS SIM! E SEM ARTIMANHAS.

Novamente repito a pergunta: por que a USP ainda insiste em não reconhecer este direito e reluta contra este processo de reparação que seus espaços universitários tão brancos insistem em se fazer valer e se mostrar?

Não vou me alongar mais em reflexões e vou direto ao ponto. O quê a USP, aqui entendida pela figura do governo do Estado de São Paulo e da Reitoria, não quer de jeito nenhum é ver a divisão dos seus espaços de poder com os negros e indígenas. Vistos até hoje como incapazes, marginais, "primitivos" e até mesmo sem uma formação condizente para o "padrão USP de conhecimento". Este tipo de discurso é uma falácia.

Já existem dados que comprovam que os alunos cotistas não baixam nível nenhum de ensino e que pelo contrário,mantém ou até aumentam os índices de avaliação das universidades. Dito isso, você consegue imaginar uma USP tendo que lançar para o país e para o mundo um número de 50% de profissionais, professores, especialistas e cientistas, compostos por negros, alunos de escola pública e indígenas formados em vários dos seus cursos e sem distinção? Podendo certamente ocupar os cargos de poder de muitas instituições e do mercado de trabalho? Pensem nisso! No por que esta universidade não quer aceitar o processo de Ação Afirmativa - com o critério de cotas raciais - como todas as universidades federais vêm aceitando. Esta relutância tem muito a dizer e a nos fazer refletir.