O Onda Negra surge como um desejo de exteriorização de algumas reflexões que estão diretamente ligadas à questão racial. Almejamos com este espaço a problematização e discussão sobre temas como o racismo, o preconceito racial e a discriminação. Possivelmente, veremos também discussões sobre processos que apontam para uma predominância da desigualdade social e racial no nosso país.
Em alguns momentos, apresentaremos sugestões, análises e reflexões de filmes que abordam diretamente ou indiretamente a temática racial, ou, que dialoguem com a mesma. Salientamos que dentro desta proposta não deixaremos de abordar, por exemplo: a questão de gênero, os processos do mundo do trabalho e a questão racial, a questão da violência racial e, principalmente, alguns processos que envolvam reparação e ganhos para a população negra, como no caso das políticas de Ações Afirmativas.
Por último, explicamos que a origem do nome Onda Negra foi pensado a partir do livro da Celia de Azevedo, "Onda negra, medo branco". Nesse livro, a autora estabelece um intenso debate em torno das "questões senhoriais travadas por abolicionistas e imigrantistas ao longo do século dezenove. Decerto esse debate ainda se arrastaria pelo tempo não fosse a intervenção dos próprios escravos com suas ações autônomas e violentas, aguçando os medos da 'onda negra', imagem vívida forjada no calor da luta por elites racistas."
Sendo assim, julguei pertinente fazer uma alusão a esta "onda negra" que se tratava do medo das elites com os retrospectos das lutas anti-escravistas (ou por libertação dos negros escravizados) como por exemplo, a Revolução Haitiana; para tratar dos problemas contemporâneos que envolvem a condição do negro em nossa sociedade. Enquanto as lutas ganham força por ganhos de direitos, por igualdade de condições no mercado de trabalho em relação aos brancos, por políticas de reparação e de inclusão com as Ações Afirmativas, percebe-se que todo esse movimento ainda desperta em alguns grupos da nossa sociedade um incômodo, uma desconfiança e a meu ver um medo.
Compartilho hoje com
vocês um documentário muito importante para nós professores e professoras, pais
e mães, alunos e alunas e estudantes de modo geral. O nome do documentário é “Uma lição de discriminação”.
Uma menina me chamou à
atenção ao descrever como foi passada para ela a idealização dos negros. “Eles têm mais tendência a roubar, a ser maus
e violentos.”
Segue a descrição
postada no youtube:
Desde
o começo dos tempos, os seres humanos têm tendência a formar grupos, excluindo
assim estranhos, inimigos, e qualquer um que seja diferente. Podemos não
exatamente incentivá-las, mas tais atitudes tornam-se arraigadas a partir de
uma idade muito precoce.
Este documentário acompanha uma experiência em uma escola
primária que mostra o quão rapidamente as crianças podem assimilar a
discriminação e todas as suas repercussões. Uma professora do ensino primário
em Quebec conduziu um experimento no qual ela afirmou que estudos científicos
provam que as crianças menores são geralmente mais criativas e inteligentes, e
as mais altas são desajeitadas e preguiçosas. Ela dividiu sua turma com base
nessas suposições. No dia seguinte, ela virou o jogo e fez com que se
invertessem os papéis.
Algumas crianças de nove anos de idade entenderam que era
tudo um jogo, mas para o resto acabou por ser uma experiência muito poderosa.
Produção: Radio-Canada 2006.
Postado
essa descrição do documentário, sinto que podemos falar muito mais dele. Ele
realmente nos dá muitas possibilidades para discutirmos sobre como se constrói,
se sente e afeta o “outro” que é diferente. O diferente do que é colocado como “padrão”
ou normal em muitas sociedades, inclusive a nossa. No caso do experimento
realizado pela professora com as autorizações necessárias por parte dos pais e
da escola, se resume em fazer as crianças sentirem os efeitos da discriminação
para que aprendam como se sente ou sofre uma pessoa ou criança
discriminada. Dito
isso, faço uma ressalva sobre o fato de na sala de aula não existir nenhuma
criança negra. Ah! Nem a professora é negra.
Como
vocês viram no vídeo, as crianças depois de divididas, especificamente, as
crianças mais altas, que eram vistas como inferiores quando comparados com as
crianças baixas, tiveram expostas suas características físicas, psíquicas e até
comportamentais expostas, referenciadas como algo ruim. Logo, por serem altas, começaram
a se sentir excluídas e inferiorizadas. Numa das passagens do documentário uma
das crianças diz que ficou sem concentração, pois, sabia que o fato de ir ao
quadro resolver um exercício, solicitado pela professora, desencadearia a
zombaria dos seus colegas. Resultado, ele não conseguiu fazer a atividade como
se deveria. E, se sentiu muito mal.
O que
quero chamar à atenção, para que nós reflitamos com o que assistimos no
documentário, é que a sala não tinha nenhuma criança negra, caso queiramos
enfatizar a diferença como algo em questão. Mas, mesmo assim, com crianças
brancas tendo destacadas características que as inferiorizavam, o resultado (e
as dores que sentiram) foi surpreendente. Elas sentiram o que muitas crianças
negras sentem todos os dias na sala de aula, na rua, nas relações com alguns
pais de coleguinhas quando evitam convidá-lo para ir à casa dos seus filhinhos
brancos. Elas sentiram que a discriminação não nos faz bem. Ou seja, o experimento
da professora nos mostrou que a discriminação causa danos que se não nos
atentarmos para eles logo nos primeiros anos de vida dessas crianças, na escola e em casa,
teremos uma reprodução ou uma retroalimentação de cidadãos racistas e
preconceituosos.
Na
sociedade que vivemos podemos ter bastante exemplos do que quero dizer. Basta
lembrarmos o caso do jovem que ao ter um resultado negativo no vestibular,
julgou como fonte da sua reprovação as cotas raciais. Com esta
insatisfação, o seu racismo, “talvez” adormecido, aflorou. Ele postou no site
do mercado livre a venda de negros pela quantia de R$ 1,00. Essa sua atitude
nos diz muito.
Mas
voltemos à discussão do documentário, será que vocês, quando terminarem de ver
o vídeo, conseguem imaginar os males que a discriminação causa nas vidas das
crianças negras na sala de aula?
Por exemplo: Que menina
linda! Olha como esse cabelo tão loirinho a deixa parecida com uma princesa.
Linda! Olha estes olhos azuis. Minha nossa... Aí, atrás desta criança tem uma
menina negra que em nada se parece com a menina branca com “cara” de princesa
(pensamento de princesa no sentido e modelo eurocêntrico branco). O que se deve
fazer numa hora dessas? São em momentos como estes que a
discriminação se instala e causa seus danos. Pensemos nisso!
Sei que muitos não têm
a intenção de gerar ou incitar a discriminação, mas ela está no nosso cotidiano
e nas mínimas expressões que utilizamos. Sejam elas na relação familiar ou nos
exemplos dentro da escola. Temos que combater sempre. Sei que os avanços
advindos da implantação da lei 10.639/03 ainda não são suficientes. Queremos
mais. Pois sabemos que entre a lei e a sua implementação, na prática docente, existe uma
distância que ainda persiste em se fazer presente.
Por
fim, ao ver o choro daquelas crianças tão críticas e indignadas com a
discriminação e seus males, pensei nos milhares, ou até, nos milhões de
crianças negras que estão sendo violentadas todos os dias em nossas escolas e,
infelizmente, não podemos acabar ou extinguir essa realidade de uma vez
por todas. Finalizo, emanando o desejo e a energia para que as reflexões que
surgirão com este documentário possibilitem novas ações transformadoras em
nossas salas de aula.