Objetivos e intenções do Onda Negra.

O Onda Negra surge como um desejo de exteriorização de algumas reflexões que estão diretamente ligadas à questão racial. Almejamos com este espaço a problematização e discussão sobre temas como o racismo, o preconceito racial e a discriminação. Possivelmente, veremos também discussões sobre processos que apontam para uma predominância da desigualdade social e racial no nosso país.

Em alguns momentos, apresentaremos sugestões, análises e reflexões de filmes que abordam diretamente ou indiretamente a temática racial, ou, que dialoguem com a mesma. Salientamos que dentro desta proposta não deixaremos de abordar, por exemplo: a questão de gênero, os processos do mundo do trabalho e a questão racial, a questão da violência racial e, principalmente, alguns processos que envolvam reparação e ganhos para a população negra, como no caso das políticas de Ações Afirmativas.

Por último, explicamos que a origem do nome Onda Negra foi pensado a partir do livro da Celia de Azevedo, "Onda negra, medo branco". Nesse livro, a autora estabelece um intenso debate em torno das "questões senhoriais travadas por abolicionistas e imigrantistas ao longo do século dezenove. Decerto esse debate ainda se arrastaria pelo tempo não fosse a intervenção dos próprios escravos com suas ações autônomas e violentas, aguçando os medos da 'onda negra', imagem vívida forjada no calor da luta por elites racistas."

Sendo assim, julguei pertinente fazer uma alusão a esta "onda negra" que se tratava do medo das elites com os retrospectos das lutas anti-escravistas (ou por libertação dos negros escravizados) como por exemplo, a Revolução Haitiana; para tratar dos problemas contemporâneos que envolvem a condição do negro em nossa sociedade. Enquanto as lutas ganham força por ganhos de direitos, por igualdade de condições no mercado de trabalho em relação aos brancos, por políticas de reparação e de inclusão com as Ações Afirmativas, percebe-se que todo esse movimento ainda desperta em alguns grupos da nossa sociedade um incômodo, uma desconfiança e a meu ver um medo.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

A questão dos negros e o mercado de trabalho – um viver em sobressalto.




Hoje, dia 20 de novembro de 2013, é um dia muito especial para todos os negros e todas as negras deste país. Comemora-se nessa data o dia da Consciência Negra. É muito bonito e satisfatório vermos várias postagens nas redes sociais que exaltam o valor, a cultura e a importância desse povo negro. Mas para mim ainda faltava algo. Como eu gosto de refletir sobre questões que envolvem a nossa atualidade e que estão diretamente ligadas à população negra, decidi escrever sobre um tema que é muito caro para mim e para todos os negros e todas as negras deste nosso Brasil que é a questão do negro e o mercado de trabalho. Dito isso, informo a vocês que essa é a minha maneira de homenagear não só este dia, mas todos os dias da consciência negra.

Não precisarei apresentar muitas informações que expressem o quanto o negro foi importante para construção do nosso país. Sabemos muito bem que foi a condição de escravizado, com o uso da violência física e psíquica que potencializou a riqueza de muitos senhores brancos e de muitas instituições nesse país. 

Quando me refiro ao Negro no decorrer deste texto e das análises, estou não só enxergando-o como um sujeito dentro de um grupo étnico, mas compreendendo-o como uma categoria sociológica analítica que terá embutida na sua denominação tanto as dimensões de gênero (negros e negras) quanto as de identificações (pardos e pretos) utilizadas por grandes institutos de pesquisa como o IBGE.

Sendo assim, o que eu quero dizer e refletir com o uso dessa expressão “um viver em sobressalto”? De acordo com o dicionário Aurélio, temos as seguintes explicações para a palavra sobressalto: estremecimento súbito e involuntário, medo, temor, acontecimento inesperado e imprevisto. Fico com essas explicações, pois, creio que elas me ajudarão na externalização do meu objetivo com este texto.

Dito isso, como deve ser para um sujeito viver a sua vida com um intenso sentimento de temor, à espera de qualquer acontecimento inesperado que pode legar a ele situações de desprazer, violência, sofrimento e até morte? Com certeza, viver dessa forma é um absurdo. Por muitos anos da história do nosso país, os negros viveram com este sentimento. Mesmo sob estas condições, mesmo vivendo em sobressalto, muitos não se resignaram ao contexto que os inferiorizavam e os violentavam. Lutaram por mudanças e melhorias até o fim das suas vidas.



E o trabalho? Como entra o trabalho nesta história? Ele não entra. Ele é a própria história. O Africano foi capturado e trazido à força, involuntariamente, para ser usado como mão de obra para o trabalho escravo. Visto como uma mercadoria, um animal (um não humano) que precisava ser domesticado e condicionado aos disciplinamentos da colônia.

Quando converso com alguns amigos e amigas sobre a situação que os negros viveram nesse período, eu costumo dar o seguinte exemplo: imagine você na sua casa, ou andando na sua rua calmamente, quando você menos espera alguns homens capturam você. Consegue imaginar o susto e o medo? Nesse momento você esbraveja, resiste e luta do jeito que pode para não ir com eles. Você nem tem ideia para onde estão te levando. Não tem jeito. Eles são muitos. Você com todo o seu conhecimento tenta imaginar o que pode acontecer com você e do que se trata. Mas aí, você percebe que eles não estão te tratando como um ser igual a eles. Eles te tratam de uma forma pior. Quando você pensa que não poderia piorar eis o que vem pela frente, eles vão te transformar em uma propriedade. É isso mesmo, uma propriedade. Já se imaginou? Você no auge da sua individualidade e independência tendo que se tornar propriedade de alguém? Sabe como eles conseguiram isso? Violentando o seu corpo e sua mente. Até você não poder mais lutar contra toda a estrutura que lhe subjuga e aprisiona. É claro que muitos na mesma situação se mataram. Preferiram morrer a viver em tal condição. Outros criaram outras formas de resistência para superar essa realidade. Mas no fim, você foi transformado num escravo ou numa escrava.

Esse exemplo que uso foi pensado ao ler o capitulo “A propriedade”, no livro Os jacobinos negros: Toussaint L'Ouverture e a Revolução de São Domingos. Nesse capitulo você encontrará os relatos das mais diversas crueldades feitas com os negros para que pudessem torná-los propriedade. Ou seja, usando da violência para destituir a sua humanidade e subjetividade tornando-os seres inferiores, escravizados.

Vamos avançar um pouco, visto que já sabemos como se deu o contexto da escravidão e, consequentemente, os seus desdobramentos para a construção do imaginário social do nosso país. Quero falar para vocês sobre um termo ou categoria que é a do Negro de Ganho. Com a abolição, e até um pouco antes, muitos negros já trabalhavam fora das fazendas, nos centros urbanos das grandes cidades. Muitos senhores e senhoras donas de escravos utilizavam essa modalidade de trabalho na época como mais uma forma de obter lucros.



Vejam o trecho do filme “Quanto vale ou é por quilo” – com a direção de Sergio Bianchi, que trata da história de amizade entre Maria Antônia e Lucrécia. Esse trecho além de contar com a bela narração do Milton Gonçalves, nos exemplifica de forma genial o que era o Negro de Ganho. 




Essa modalidade foi muito usada na transição do trabalho escravo para o trabalho livre. Livre entre aspas. Pois, por mais que alguns escravos não precisassem dormir nas senzalas, eles ainda continuavam acorrentados aos grilhões da escravidão, à condição de negro com toda a representação negativa que essa condição lhe imputava. É fato, também, que muitos negros conseguiram se articular mais e melhor a partir dessa condição de trabalho.

Ao pensar sobre essa condição e ao ver o trecho do vídeo, o que podemos refletir sobre as atuais condições que os negros têm que enfrentar no mercado de trabalho hoje em dia? Não devemos ficar preso ao passado pura e simplesmente. Mas é justamente a compreensão desse passado que pode nos abrir possibilidades de entender determinadas condições do nosso presente.



Portanto, acredito que muitos dos problemas enfrentados no passado ganham uma nova configuração na atualidade, tornando-se necessário uma compreensão de forma mais aprofundada sobre estes problemas que se replicam e se mantém firmes nos dias de hoje. É fato que os principais problemas que os negros têm enfrentado se referem à desigualdade sócio-econômica, à discriminação racial e ao processo de marginalização que perduram em amplos setores da nossa sociedade (na escola, no convívio social, na relação com a justiça e principalmente no trabalho).

Citando alguns exemplos, o negro ainda recebe menos em amplos setores do mercado de trabalho; no serviço de empregada doméstica, o que se observa como predominante é a presença das mulheres negras; e por último, na questão da violência, os jovens negros são os que mais morrem no país.

Se a desigualdade torna-se tão evidente quando colocamos no centro da análise a questão racial, mesmo sabendo que o Brasil é visto como o país da miscigenação e da democracia racial, como se explica a identificação, na atualidade, de uma desigualdade salarial entre brancos e negros com o mesmo cargo de trabalho e com o mesmo grau de escolaridade? E se destacarmos o gênero, a mulher negra assume os trabalhos mais desvalorizados e precários recebendo as piores remunerações. Com tudo isso, de onde surge essa condição que marginaliza o negro na sociedade atual? Como ela se retroalimenta e vem perpassando o imaginário social até ser expelida em práticas discriminatórias e/ou racistas tanto no mercado de trabalho (que nesse momento é o meu foco) quanto na sociedade em toda sua amplitude?

Conseguem perceber que em toda a trajetória do negro neste país há “um viver em sobressalto”? Se vamos procurar um emprego tememos as atitudes racistas que podem surgir. Ao andarmos nas ruas, salvo as raríssimas exceções, somos confundidos com assaltantes. Quem se lembra dos crimes de vadiagem? Quem que eram os alvos? Será que eram os negros? Com certeza eram os nossos antepassados. Até pouco tempo, nas décadas de 70 e 80, os negros tinham que andar com a carteira de trabalho para provar que não eram marginais e sim, trabalhadores. E guardada as devidas proporções muita coisa não mudou atualmente. Observamos negros tendo que mostrar suas carteirinhas de universitários para se livrar das investidas policiais. E os que ainda não estão nas universidades? Como se livram? Será este o único caminho para sermos respeitados e não mais violentados, assassinados nesta e por esta sociedade?

O que observamos hoje ao olhar para o setor privado? Estamos discutindo a possibilidade de ações afirmativas em concursos públicos e sou favorável a tal proposta. Mas fico a me perguntar: como ficará o setor privado? Quem o regulará na expectativa de evitar os crimes de racismo que se travestem de outras formas de violência e exploração contra o trabalhador negro? Sonhar com uma regulação mais forte que combata as formas de preconceito e racismo é uma utopia?

Hoje continuamos observando os negros em trabalhos precários, em situações degradantes e de alta exploração, vemos também formas atualizadas de trabalho escravo, vários Amarildos e Douglas sendo assassinados nas periferias, vários negros sendo discriminados nos seus trabalhos e sem poder combater essa discriminação, pois existe o medo de entrar nas estatísticas do desemprego. 

Finalizo lançando uma última pergunta. Quando e como poderemos ter uma sociedade em que nós negros não tenhamos mais que viver em sobressalto?


 (Algumas fotos são do Sebastião Salgado e outras do Google imagens)

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Até onde vai esse humor inteligentemente idiotizado, racista e preconceituoso da Globo?



No decorrer da tarde de hoje me deparei nas redes sociais com criticas ao programa Fantástico, da Rede Globo, especificamente, ao quadro humorístico “O Baú do Baú do Fantástico” que exibiu um episódio (em tom sarcástico) sobre o dia 13 de maio de 1988, dia esse, caríssimo para nós negros deste país. Dito isso, não conseguiria ficar sem expressar alguns pensamentos e reflexões indignadas sobre esse racismo que vem sendo protagonizado por esta emissora de TV, se não nos últimos meses, que seja nos últimos anos, ou quem sabe, talvez, desde sempre.

Fiquei observando algumas postagens sobre o que aconteceu e confesso que simpatizei muito com as críticas do Negro Belchior e a forma como ele discutiu e abordou o acontecido. Só não fiquei contente por ver alguns comentários sobre o seu texto, “Rede Globo, fantástico é o seu racismo!”, que discutiam qual a verdadeira forma de se combater tais atitudes racistas. Obviamente, desqualificando o uso das redes sociais, por um aparente cansaço, por já saberem de “tudo” que já está sendo dito e etc., e enfatizando que a práxis transformadora seria a mais importante e o único meio de se mudar essa realidade. Afirmo, contundentemente, que estou de acordo que a práxis pode sim mudar a nossa realidade. Mas desde que entendamos que sem uma ação que perpasse estes meios de comunicação, que instigue a mobilização e, principalmente o conhecimento, essa busca por transformação fica mais difícil.

Não temos que nos fragmentar e nem nos alfinetarmos nos criticando sobre qual é a melhor forma de agir sobre este caso, mas sim nos unirmos e usarmos estes meios e ações para atingirmos o objetivo maior que, a meu ver, é o fim do preconceito racial, do intenso bombardeio inferiorizador/estigmatizador sobre nós negros, que são intentados por esta imprensa elitista, “global” e racista. Não podemos perder o foco da luta anti-racista.

Tenha certeza que já estamos cansados dessa discriminação e dessa TV esteriotipadora, homofóbica, racista e machista.  Então, o que temos que pensar e o que temos que fazer? Fiquei a pensar e cheguei algumas evidências: pegando o caso da rede globo de televisão, é fato que esta empresa expressa a sua atitude racista constantemente. Seja ela nos jornais, com nenhum apresentador fixo que seja negro, nas novelas com o caso do garoto negro que querem cortar o seu lindo cabelo Black, fora as outras dimensões que bem sabemos – como expõem a mulher negra, os trabalhadores negros e etc.; por último, vem os programas de “humor” como o Zorra Total (veja esta crítica feita aos personagens). Que em minha opinião, as duas personagens negras, só expressam uma afronta proposital. E nem adianta me convencer que aquilo é arte.

Com tudo isso, só me resta algumas perguntas: como que os atores negros lidam no dia a dia de trabalho ou gravações? Será que o salário, ou a oportunidade de “figurar” na TV vale mais do que o respeito à condição e à memória histórica de um povo? Não quero jogar a responsabilidade só para os atores, as atrizes, os/as figurantes negros/as que se submetem a determinados trabalhos.

Fico a pensar no papel relevante que teve para a comunidade negra o Teatro Experimental do Negro idealizado por Abdias Nascimento. A sua importância no cenário político, social e até da arte não se contesta. Não quero ser injusto com os atores negros que tem uma postura crítica e política bem definida. Só sei que precisamos fazer mais... Como que os atores negros da rede globo lidam com estas atitudes racistas do seu empregador?

Fico a sonhar com o dia em que todos os atores negros e as atrizes negras se neguem a trabalhar em papeis que reforçam a inferiorização, a violência racial e o preconceito que sempre nos foi imposto e que há muitos anos estamos lutando contra. O que aconteceria? Como seriam os desdobramentos nacionais e internacionais sobre tal fenômeno? Vocês conseguem imaginar nos desdobramentos que tal atitude poderia causar para a emissora que mais exporta novela na atualidade brasileira?

Voltando ao caso do Fantástico, o quadro (assista ao vídeo) descaradamente vai demarcar quem são os usuários das políticas do governo hoje em dia. Quando se referem às políticas que poderiam ajudar os ex-escravos, eles demonstram o tamanho do preconceito e da visão deturpadora que só retroalimenta a visão de muitos preconceituosos na atualidade. “Os ex-escravos serão amparados pelo governo com programas como o “Bolsa Família Afrodescendente”, o “Bolsa Escola – o Senzalão da Educação” e com Palhoças Populares do programa “Minha Palhoça, minha vida”. Percebem que todos se referem aos negros: o negro-pobre, o negro sem educação e o negro sem moradia. Tudo isso tem cor.

Podemos dizer que estamos diante de uma prática de incentivo ao racismo e/ou ao preconceito racial. Como muitos já propagam por aí, somos nós os culpados pela situação e determinadas mazelas do país. Só esquecem que foram estes braços negros que construíram este país, sem receber se quer o reconhecimento de tal feito. Não dá mais para vermos e convivermos com tais situações. Recorrer à justiça se torna um dever. Pensarmos maneiras incisivas de combater a postura desta rede de televisão assume um caráter de urgência.

Como o Belchior bem colocou, por que eles não usam nas suas piadas, ou no seu humor inteligentemente idiotizado, racista e preconceituoso, cenas que se relacionem ao holocausto, ou “às vítimas de Hiroshima e Nagasaki; Ou às vítimas do Word Trade Center ou – para ficar no Brasil – às vítimas do incêndio na Boate Kiss” nas noites de domingo?

Acredito que não podemos deixar que nossas demandas individuais desrespeitem e solapem o passado dos nossos ancestrais e, principalmente, a memória da população negra que muito teve que lutar por liberdade, respeito e direitos.