Objetivos e intenções do Onda Negra.

O Onda Negra surge como um desejo de exteriorização de algumas reflexões que estão diretamente ligadas à questão racial. Almejamos com este espaço a problematização e discussão sobre temas como o racismo, o preconceito racial e a discriminação. Possivelmente, veremos também discussões sobre processos que apontam para uma predominância da desigualdade social e racial no nosso país.

Em alguns momentos, apresentaremos sugestões, análises e reflexões de filmes que abordam diretamente ou indiretamente a temática racial, ou, que dialoguem com a mesma. Salientamos que dentro desta proposta não deixaremos de abordar, por exemplo: a questão de gênero, os processos do mundo do trabalho e a questão racial, a questão da violência racial e, principalmente, alguns processos que envolvam reparação e ganhos para a população negra, como no caso das políticas de Ações Afirmativas.

Por último, explicamos que a origem do nome Onda Negra foi pensado a partir do livro da Celia de Azevedo, "Onda negra, medo branco". Nesse livro, a autora estabelece um intenso debate em torno das "questões senhoriais travadas por abolicionistas e imigrantistas ao longo do século dezenove. Decerto esse debate ainda se arrastaria pelo tempo não fosse a intervenção dos próprios escravos com suas ações autônomas e violentas, aguçando os medos da 'onda negra', imagem vívida forjada no calor da luta por elites racistas."

Sendo assim, julguei pertinente fazer uma alusão a esta "onda negra" que se tratava do medo das elites com os retrospectos das lutas anti-escravistas (ou por libertação dos negros escravizados) como por exemplo, a Revolução Haitiana; para tratar dos problemas contemporâneos que envolvem a condição do negro em nossa sociedade. Enquanto as lutas ganham força por ganhos de direitos, por igualdade de condições no mercado de trabalho em relação aos brancos, por políticas de reparação e de inclusão com as Ações Afirmativas, percebe-se que todo esse movimento ainda desperta em alguns grupos da nossa sociedade um incômodo, uma desconfiança e a meu ver um medo.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

De Robinson a Tinga: o racismo entra em campo.




Por Rafaela Rabesco¹ e Silvio Matheus

A história de Paulo Cesar, o Tinga e a polêmica sobre a atitude extremamente racista demonstrada pela torcida peruana do time Real Garcilaso, no jogo da libertadores, faz lembrar a história de Jackie Robinson, o primeiro negro norte-americano a jogar na liga principal de beisebol pelo Brooklyn Dodgers em 1946.

No filme “42: A história de uma lenda”, lançado no ano passado, cenas como as vividas por Tinga são multiplicadas a cada cidade visitada pelo time, a cada vitória e a cada participação do jogador. Sua casa é rondada por racistas, recados são dados pessoalmente, ameaças feitas por telefone e por cartas são colecionadas pelo empresário do clube, Branch Rickey. Esse senhor entrou também para a história ao exigir a presença de Jackie no elenco principal dos Dodgers, pois achava que os atletas negros eram os melhores no esporte que ele amava. Branch também foi importante no enfrentamento e na luta contra os membros do time, jogadores e técnicos que insistiam em manter o racismo dentro e fora de campo.

A hostilidade, as ameaças e as agressões verbais eram constantes na vida de Robinson. Não eram só enfrentadas no campo, mas na sociedade extremamente segregada e racista. O racismo e a violência eram declarados. Mas a força e a consciência de Robinson foram sendo alimentadas ao perceber que ele se tornava um grande exemplo de coragem, não só por ser o único atleta negro num time de brancos, numa liga ou competição onde todos os jogadores e envolvidos diretamente eram brancos, mas por enfrentar todas essas adversidades que significavam muito para a população negra e, em especial, para muitas crianças negras e brancas que sonhavam um dia em ser um grande jogador como ele.

Vejam o trailer que apesar de não estar legendado, vale muito a pena.



O que há de comum na história de Robinson, ícone do esporte norte-americano, e a história de vida do jogador Tinga (ver reportagem), muito respeitado e admirado no futebol nacional e internacional é o racismo que perpassa a história de ambos. Ainda que devamos guardar as devidas proporções sobre os fatos, o tempo histórico e, principalmente, o contexto social vivido por estes dois atletas negros.

Lá atrás Robinson também era chamado de macaco. Mais de 60 anos se passaram e vimos o Tinga ser também chamado de macaco por aqui. Vemos que os insultos racistas perpassam o tempo e o espaço. 

Segue um trecho do filme para que sintam a atmosfera enfrentada por Robinson. 



Foi aqui, tanto no Brasil quanto na America Latina, que o Tinga foi ofendido e discriminado. Na nossa América Latina que tanto sofreu os males da colonização. Uma colonização de exploração onde violência, estupros e genocídios foram cometidos. Tornaram-nos alvos de estereótipos que nos inferiorizavam e hoje, com muita luta, estamos conseguindo mudar algumas realidades e concepções. Mas, mesmo assim, uma parcela de um povo cuja ancestralidade descende dos indígenas que tanto resistiram às mazelas da colonização espanhola, uma das mais violentas da América, repetiram e reafirmaram a prática racista.

Não! Não estamos em 1946, nem 1956, nem sequer 1996. Em plenos 2014 do século XXI, Tinga foi vítima do racismo execrável, no campo que é seu meio de vida, onde inegavelmente e à revelia de qualquer argumento racista possível, ele desfere seu talento, sua humanidade, seu trabalho. E ainda sim, o campo é apenas uma parte, uma só parcela, uma pequena mostra da sociedade que produz e reproduz o racismo cotidiano que perdura e que deve ser sempre desmascarado, confrontado e punido.


Assim, a partir desses dois exemplos históricos de que o racismo precisa ser combatido com determinação dentro e fora dos gramados, esperamos inspirar a todos para que não vejamos mais cenas e atitudes como aquelas (da década de 1940 ou do ano 2014), além de ressaltar que a indignação e a denúncia são sempre necessárias na luta contra o preconceito racial.

Segue o link para baixar o filme completo: 





1 - Rafaela Rabesco é Socióloga e mestranda no Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFSCar. Atua como professora de Música e Canto no Programa de Educação Integral do município de Araraquara. Além disso, elabora e executa projetos educacionais de musicalização africana e indígena voltados à formação continuada de professores da rede pública de ensino.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Os perigos de uma sociedade racista, segregada e intolerante – O que está por vir?

Um jovem negro é preso pelo pescoço a um poste, sem roupas e exposto como um exemplo ou uma lição para os “outros”. Quem são esses “outros”? São negros? São assaltantes? Ou, são negros assaltantes? O que está por de trás deste acontecimento? Creio que a raiz desta questão se encontra nos fluxos e refluxos do problema racial brasileiro. As imagens e a condição que se encontrava o jovem negro são revoltantes.

Mas antes que digam que eu estou defendendo os bandidos, os criminosos e coisa e tal... Confesso que não é isso. Nem será preciso os argumentos reacionários e torpes de que: “achou ruim? Leve ele para sua casa.” “queria ver se fosse com você...” e etc..
Dito isso, ainda me inquieta mais uma pergunta e, creio eu, que é uma das mais relevantes para entendermos a raiz daquele problema racial brasileiro que me referi anteriormente, alguém já viu uma cena ou um fato como este acontecer com um criminoso ou bandido branco? Eu nunca vi.
Não me entendam mal. Eu não tenho nenhum interesse de incitar o “ódio racial” quando faço comparações diretas entre brancos e negros, sejam elas numa pergunta ou numa análise direta ou indireta. Digo-lhes isso, porque li aqui no blog, recentemente, um comentário feito por um “anônimo” que alegava que “nós negros” com este “processo de negretização” (se referindo às lutas do movimento negro, com as ações afirmativas e outras reivindicações, creio eu) só desencadearemos o “ódio racial”. Essa não é a minha intenção. E para tal afirmação, utilizo uma lembrança feita pela Rafaela Rabesco, em resposta ao “anônimo”: “Sejamos realistas, levemos em conta a história e analisemos as questões com a serenidade que elas merecem. Guerra discursiva? Ódio? Isso tudo é provocado por quem fala das injustiças ou por quem as provoca? Não cometa o pior dos erros, não confunda o opressor com o oprimido.”
Feito as ressalvas, segurei em frente com o que me propus a fazer hoje que é pensar o porquê que estamos nos deparando cada vez mais com acontecimentos como estes que expõem a figura do sujeito, ou, do homem negro a determinados tipos de situações que muitas vezes são desencadeadas por um sentimento racista e preconceituoso mesmo de forma inconsciente ou até mesmo consciente.
Abro um parêntese para expor uma expressão que muitos já devem ter ouvido: “Branco correndo na rua é atleta. Preto correndo na rua é ladrão”. Essa expressão não tem nada de inocente e nos diz muito sobre como estas “brincadeiras ou piadas” fomentam o racismo que é extravasado em situações do nosso cotidiano.
Peguemos o caso desse garoto que foi exposto e tratado de uma maneira reprovável. A ideia de deixá-lo sem roupas, preso pelo pescoço com um instrumento que nos remete aos grilhões, muito usado no período da escravidão, cortar a sua orelha com uma faca, tudo isso, me parece mais uma forma de tortura e violência que nos remete às violências sofridas pelos escravos. Será esta a maneira correta de inibir ou agir contra um assalto? Por que será que esta ideia surgiu e foi praticada sem o mínimo de vergonha ou culpa? O rapaz que postou a foto do jovem negro ainda diz que isso é “pra que sirva de lição”. Que lição é essa?
Então, nos deparamos com o caso deste jovem do Rio de Janeiro que a foto não deixa dúvidas de que foi uma prática racista. Além desse, já houve outro caso em que um homem negro “com problemas psiquiátricos” foi amarrado num poste. E por último, existiu outro caso, que não está diretamente ligado a esses dois que acabei de apontar, mas que também não é muito diferente deles, estou me referindo ao caso do rapaz neonazista que tentou enforcar um negro morador de rua, em Belo Horizonte.


Pensa que acabou! Ainda tem mais... E o caso do garoto que por não ter conseguido aprovação no vestibular, julgou que seu insucesso foi decorrente das cotas raciais para negros e decidiu fazer uma postagem, num site de vendas pela internet, colocando à venda crianças negras e homens negros a R$ 1,00.
Com esses casos, eu expresso a minha preocupação de que podemos estar entrando num processo de deflagração explicita de intolerância racial, agressões e violências raciais cada vez mais presentes em nossa sociedade.
Compartilharei o trailer do filme “A Outra História Americana” com o intuito de chamar à atenção para um momento do trailer em que o pai do Derek Vinyard (Edward Norton) fala da raiva que sente por ter como chefe um negro. Neste momento, ele fala com ódio das Ações Afirmativas e vê esta política como uma afronta aos brancos. Com isso, Derek herda de seu pai um ódio pelos negros.



Este filme nos abre inúmeras possibilidades para discutir a questão racial, o ódio racial que é tensionado e como que é alimentado um conhecimento equivocado sobre as Ações Afirmativas. É aí que mora o perigo. Uma má interpretação sobre tal política pode gestar dentro de muitos jovens e adultos uma raiva contra um grupo, neste caso, os negros. 



Derek Vinyard (Edward Norton) herdou o ódio diretamente de seu pai. Acreditando na ideologia nazista da supremacia de uma “raça pura”, o jovem se une a uma gangue de cabeças raspadas e mata dois homens negros. Seu destino é a prisão — e, somente quando está atrás das grades, Derek começa a entender como o mundo é de fato e como esteve agindo de maneira imbecil nos últimos anos. Quando finalmente é libertado, Derek descobre que seu irmão mais novo, Danny, o considera uma espécie de herói, um mártir para o “movimento”. Vendo o irmão imerso na mesma teia de racismo e violência que outrora quase destruiu sua vida, Derek vai tentar dar fim ao elo de ódio que corre nas veias de sua própria família. (Fonte: Assistir filmes online)

O problema não está no fato da implantação dessa política, aliás, é um direito que não se pode mais revogar. Só tem que avançar. Todavia, não podemos nos descuidar do processo educativo e de conscientização da população branca (Salvo algumas exceções, ainda existem pessoas que não compreendem a importância dessa política) e, também, de alguns negros e pardos, que infelizmente ainda desconhecem o verdadeiro propósito dela.
Entendo que o processo de Ação Afirmativa dos Estados Unidos (pensando num âmbito político-institucional) começou com o Lincoln com a sua luta e articulação para aprovação da 13º emenda que extinguia a escravidão na América do Norte. Mais à frente aconteceram os embates pelo direito ao voto (com a aprovação da 15º emenda), daí em diante, integrar o negro na sociedade norte-americana através das políticas de Ação Afirmativa se tornou uma condição sine qua non. Do público ao setor privado.
Depois de três séculos e meio de escravidão, começamos o nosso “verdadeiro” processo de integração dos negros em nossa sociedade com a política de Ação Afirmativa, especificamente, a política de cotas raciais. Encontramos-nos, hoje, em extensos debates sobre a implantação de cotas nos concursos públicos e, vamos buscando estender para o setor privado a questão de uma maior presença de negros em determinados cargos de poder.

Não tenho dúvidas que a política de Ações Afirmativas para os negros vem dando certo. Mas também vejo como um fator extremamente necessário o contínuo processo de formação para Educação das Relações Étnico-Raciais em amplos setores da nossa sociedade. Talvez com um amplo e profundo processo de formação, como esse que acabei de citar, nos possibilite, num futuro próximo, cidadãos que ao verem um preto correndo na rua não o associem com um ladrão. Que ao deterem um jovem negro por tentativa de roubo não precisem violentá-lo e prende-lo como acabamos de ver na foto. Que pessoas ao se julgarem “justiceiros ou justiceiras” reconheçam no “outro”, no negro, os princípios de igual dignidade. Por fim, fiquemos de olhos bem abertos e com os sentidos bem alertas para que não sejamos pegos de surpresa com o que ainda está por vir.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

O tão esperado beijo gay aconteceu... E onde foi parar a representação dos mais de 50% de negros da população brasileira?

Quando busquei uma imagem sobre negros e negras na novela Amor à Vida no Google, só apareceu esta imagem e a imagem do menino negro que foi adotado por Niko (Thiago Fragoso). Será um problema do Google? Preferi esta imagem por dialogar mais com a minha reflexão.


A novela teve seus altos e baixos, talvez, mais baixos do que altos. Mas será que podemos ver o beijo do Félix (Mateus Solano) com o Niko (Thiago Fragoso), no final da novela, como um ganho no processo de desconstrução do pensamento histórico-social machista e heterossexista da sociedade brasileira? Esperemos para ver os desdobramentos na vida real.

O que sei, ao observar o enredo da novela, seja pelas redes sociais, seja assistindo, é que a sociedade representada ou que está presente na construção das suas relações sociais “ficcionais”, quase não existem negros.

Presenciamos protestos feitos durante o desenrolar da trama justamente por não existirem negros médicos e por quererem violentar a criança negra, ao desejar raspar o seu lindo cabelo Black Power, visto como uma estética não aceitável pelo público da novela (talvez por racismo e/ou desconhecimento da estética negra). E vou além nesta minha crítica, onde estão os mais de 50% de negros da nossa sociedade? Eles não fazem parte do grupo de amigos dos personagens da novela? Eles não fazem parte da vizinhança? Onde eles estão?


No contexto do hospital, depois de muita briga e muita crítica nas redes sociais, colocaram dois personagens negros. Uma negra neurocirurgiã e um negro psiquiatra. Se não me falha a memória só os vi em dois ou três capítulos (ou até menos). E as famílias negras? Você viu alguma? Eu não vi.


O que apareceu no último capítulo da novela foi um presídio repleto de mulheres negras e um negro corrupto que aceitou suborno para ajudar na fuga de algumas presas. É este o papel que nos cabe na representação social que a novela quis mostrar? Ver gays brancos e ricos é mais “palatável”? Mais tolerável? Ou não? Ou estou delirando e o fato de não demonstrar a população negra nas tramas da novela como deveria foi só uma questão de escolha, uma simples opção? Só o fato de ter um menino negro sendo adotado por dois homens gays, brancos e ricos, já alimentou muitas críticas sobre manter ou não manter o cabelo Black da criança que, na minha opinião, era só pretexto para justificar a raiva de não entender como os dois personagens brancos e ricos adotam um menino negro.


Agora, imaginem o Félix (Matheus Solano) apaixonado e dividindo cenas românticas com um personagem negro? Será esse o próximo passo das telenovelas brasileiras? Será que rola?



Sei que não se pode exigir muito das novelas, mas o mínimo que se pode querer é que elas sejam fiéis, na medida do possível, ao verdadeiro contexto social que estamos vivendo. Ainda existem muitos jovens sendo espancados, perseguidos e assassinados por causa de uma orientação sexual que vai na contracorrente da heteronormatividade, existem negros sendo discriminados e que estão numa dispendiosa luta por mais respeito e igual dignidade nas relações sociais que enfrentam no dia a dia. Agora, se juntarmos alguns dos principais eixos que a novela buscou abordar: orientação sexual, raça, religiosidade e classe social, saberemos que a realidade mostrada pela novela, por mais que apareça revestida de “boas intenções”, está muito longe da realidade que estamos vivendo.