Objetivos e intenções do Onda Negra.

O Onda Negra surge como um desejo de exteriorização de algumas reflexões que estão diretamente ligadas à questão racial. Almejamos com este espaço a problematização e discussão sobre temas como o racismo, o preconceito racial e a discriminação. Possivelmente, veremos também discussões sobre processos que apontam para uma predominância da desigualdade social e racial no nosso país.

Em alguns momentos, apresentaremos sugestões, análises e reflexões de filmes que abordam diretamente ou indiretamente a temática racial, ou, que dialoguem com a mesma. Salientamos que dentro desta proposta não deixaremos de abordar, por exemplo: a questão de gênero, os processos do mundo do trabalho e a questão racial, a questão da violência racial e, principalmente, alguns processos que envolvam reparação e ganhos para a população negra, como no caso das políticas de Ações Afirmativas.

Por último, explicamos que a origem do nome Onda Negra foi pensado a partir do livro da Celia de Azevedo, "Onda negra, medo branco". Nesse livro, a autora estabelece um intenso debate em torno das "questões senhoriais travadas por abolicionistas e imigrantistas ao longo do século dezenove. Decerto esse debate ainda se arrastaria pelo tempo não fosse a intervenção dos próprios escravos com suas ações autônomas e violentas, aguçando os medos da 'onda negra', imagem vívida forjada no calor da luta por elites racistas."

Sendo assim, julguei pertinente fazer uma alusão a esta "onda negra" que se tratava do medo das elites com os retrospectos das lutas anti-escravistas (ou por libertação dos negros escravizados) como por exemplo, a Revolução Haitiana; para tratar dos problemas contemporâneos que envolvem a condição do negro em nossa sociedade. Enquanto as lutas ganham força por ganhos de direitos, por igualdade de condições no mercado de trabalho em relação aos brancos, por políticas de reparação e de inclusão com as Ações Afirmativas, percebe-se que todo esse movimento ainda desperta em alguns grupos da nossa sociedade um incômodo, uma desconfiança e a meu ver um medo.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Desigualdade Racial e os problemas da Segurança Pública do Estado de São Paulo




Hoje divulgamos os resultados parciais da pesquisa que ganhou as redes sociais e os principais canais de imprensa do país. Estamos falando da pesquisa que teve como foco do estudo a “Desigualdade Racial e Segurança Pública em São Paulo”. Estes são uns dos resultados que foram encontrados: “79% dos policiais militares de São Paulo envolvidos em ocorrências com mortes são brancos. Já 61% das vítimas são negras e 57% tinham menos de 24 anos”.


A pesquisa foi feita em mais três Estados além de São Paulo: Minas Gerais, Rio de Janeiro e Brasília. Ontem tive a oportunidade de assistir o lançamento dos dados, em primeira mão, pela coordenadora geral da pesquisa, a professora doutora Jacqueline Sinhoretto. Ela argumentou sobre os percursos percorridos em várias instituições da polícia do Estado de São Paulo, das conversas que teve com os policiais que estão na ponta das operações, nas ruas e nas abordagens cotidianas, como também, os oficiais em posições de comando. É nesse ponto, em minha opinião, que a pesquisa realizada pela professora Jacqueline e demais pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos, assume um papel extremamente relevante na compreensão do grave problema que são os homicídios dos jovens negros que vivem em periferias.


Foram apresentados alguns termos e análises que são de extrema importância para a compreensão deste fenômeno que assola não só São Paulo, mas outros Estados do nosso país. 

1)      O padrão violento de crime e de controle do crime tem expressão racializada.

2)      Os dados dos homicídios têm como alvo central os jovens negros como as maiores vítimas.

3)      Tirocínio – seria um “saber da rua” ou experiências que o policial, ao entrar na corporação, traz consigo e que o possibilita o “reconhecimento” de possíveis “criminosos” ou suspeitos.  Essa capacidade de reconhecer o “criminoso” se dá através de “marcas” que o sujeito traz em si. Como foi colocado pela professora e que foi muito falado entre os policiais, o sujeito que está num dia de sol usando “boné aba reta e blusão de moletom” se tornará um suspeito. Claro que as condições e o momento também são levados em consideração.

4)      Fundada Suspeita – é uma prática que segue a mesma linha do tirocínio.

5)      De acordo com a fala da professora, os policiais reconhecem que param mais pobres. Logo, percebe-se uma forte inclinação discursiva que está alicerçada na “concepção de classe”.

6)      Há uma forte negação do racismo dentro e fora da polícia. Ou seja, eles (em grande maioria) não enxergam que há uma prática racializada (ou racista) nas suas ações em relação aos negros.

7)      A professora nos disse que não houve uma abertura por parte da corregedoria da polícia de São Paulo e que a resposta foi categórica: não há racismo dentro da polícia e nem nas suas ações.

8)      O pico da idade dos jovens negros que mais morrem é de 24 anos.

9)      Os negros acabam sendo maioria nas prisões por roubo.

10)    Os brancos são presos por homicídio em flagrante mais que os negros.

11)    Constatou a existência da Filtragem Racial na abordagem policial.


Algumas das desculpas ou argumentações dos policiais eram que os números em relação aos negros são altos pelo fato deles serem maioria na sociedade, o que não é verdade. A população negra em São Paulo totaliza 35% da sua população.


Logo, nós negros, somos 35% no montante da população do Estado e somos os que mais estão morrendo na mão da polícia. Se não agirmos emergencialmente sobre tais fatos, se consolidará, sem sombra de dúvidas e ainda mais, o uso dos termos Genocídio ou Extermínio da população negra.


Na palestra, a professora aponta um referencial teórico de grande importância que é o Frantz Fanon, principalmente, a sua dimensão analítica de “mecanismos de produção da desumanização”. Nesse caso, a desumanização do negro. Que remonta um longo processo histórico de construção destes mecanismos que nos desumaniza e nos violenta todos os dias.


Para encerrar esta minha exposição sobre a palestra de ontem e essa apresentação dos dados que constam no sumário executivo da pesquisa (Cliquem aqui e vejam o sumário) divulgado hoje, dia 2 de abril, discorro sobre um dos principais problemas encontrados no processo formativo dos policiais. A “Dupla entrada” seria um desses problemas na visão da pesquisadora. Entendi sobre a dupla entrada que: os oficiais entram por um caminho que exige outros níveis de formação e conhecimento (muitos com mestrado e doutorado compondo os mais altos escalões hierárquicos da polícia), por exemplo, sobre direitos humanos, relações étnico-raciais, dentre outros; e outro caminho que entram os policiais ou praças. O que não deixa de exigir um determinado conhecimento e formação. Mas há um fato que não se pode negar que é a existência da diferença de formação e posições que serão assumidas dentro da corporação. Principalmente sobre a questão do preconceito racial.


Compreendo que a diferença nas posições hierárquicas possa ocorrer, mas no âmbito da formação dos policiais, o que percebi na sua fala, é que existem discrepâncias entre o que é ensinado nas formações (por exemplo: cursos sobre Ação Afirmativa e Relações Étnico-Raciais) e o que está sendo “executado” pela policia na ponta das operações no dia a dia.



A professora nos falou da necessidade de propostas mais consistentes por parte do Associativismo Negro (termo que compreende diversos setores da sociedade, indivíduos e inclusive o movimento negro) na dimensão da segurança pública, pois essa dimensão ainda é pouco permeada por proposta efetivas que visem à transformação ou reformulação da sua prática, que de acordo com os dados é racializada e desigual.