Hoje divulgamos os
resultados parciais da pesquisa que ganhou as redes sociais e os principais
canais de imprensa do país. Estamos falando da pesquisa que teve como foco do
estudo a “Desigualdade Racial e Segurança Pública em São Paulo”. Estes são uns dos resultados que foram encontrados: “79%
dos policiais militares de São Paulo envolvidos em ocorrências com mortes são
brancos. Já 61% das vítimas são negras e 57% tinham menos de 24 anos”.
A pesquisa foi feita em
mais três Estados além de São Paulo: Minas Gerais, Rio de Janeiro e Brasília. Ontem tive a
oportunidade de assistir o lançamento dos dados, em primeira mão, pela
coordenadora geral da pesquisa, a professora doutora Jacqueline Sinhoretto. Ela
argumentou sobre os percursos percorridos em várias instituições da polícia do
Estado de São Paulo, das conversas que teve com os policiais que estão na ponta
das operações, nas ruas e nas abordagens cotidianas, como também, os oficiais
em posições de comando. É nesse ponto, em minha opinião, que a pesquisa
realizada pela professora Jacqueline e demais pesquisadores da Universidade
Federal de São Carlos, assume um papel extremamente relevante na compreensão do
grave problema que são os homicídios dos jovens negros que vivem em periferias.
Foram apresentados
alguns termos e análises que são de extrema importância para a compreensão
deste fenômeno que assola não só São Paulo, mas outros Estados do nosso
país.
1) O padrão violento de crime e de controle
do crime tem expressão racializada.
2) Os dados dos homicídios têm como alvo
central os jovens negros como as maiores vítimas.
3) Tirocínio
– seria um “saber da rua” ou experiências que o policial, ao entrar na
corporação, traz consigo e que o possibilita o “reconhecimento” de possíveis
“criminosos” ou suspeitos. Essa
capacidade de reconhecer o “criminoso” se dá através de “marcas” que o sujeito
traz em si. Como foi colocado pela professora e que foi muito falado entre os
policiais, o sujeito que está num dia de sol usando “boné aba reta e blusão de
moletom” se tornará um suspeito. Claro que as condições e o momento também são
levados em consideração.
4) Fundada
Suspeita – é uma prática que segue a mesma linha do tirocínio.
5) De acordo com a fala da professora, os policiais reconhecem que param mais
pobres. Logo, percebe-se uma forte inclinação discursiva que está alicerçada
na “concepção de classe”.
6) Há uma forte negação do racismo dentro e fora da polícia. Ou seja, eles (em
grande maioria) não enxergam que há uma prática racializada (ou racista) nas
suas ações em relação aos negros.
7) A professora nos disse que não houve uma
abertura por parte da corregedoria da polícia de São Paulo e que a resposta foi
categórica: não há racismo dentro da polícia e nem nas suas ações.
8) O pico da idade dos jovens negros que mais
morrem é de 24 anos.
9) Os negros acabam sendo maioria nas prisões
por roubo.
10) Os brancos são presos por homicídio em
flagrante mais que os negros.
11) Constatou a existência da Filtragem Racial na abordagem policial.
Algumas das desculpas
ou argumentações dos policiais eram que os números em relação aos negros são
altos pelo fato deles serem maioria na sociedade, o que não é verdade. A
população negra em São Paulo totaliza 35% da sua população.
Logo, nós negros, somos
35% no montante da população do Estado e somos os que mais estão morrendo na
mão da polícia. Se não agirmos emergencialmente sobre tais fatos, se
consolidará, sem sombra de dúvidas e ainda mais, o uso dos termos Genocídio ou Extermínio da população
negra.
Na palestra, a
professora aponta um referencial teórico de grande importância que é o Frantz
Fanon, principalmente, a sua dimensão analítica de “mecanismos de produção da desumanização”. Nesse caso, a
desumanização do negro. Que remonta um longo processo histórico de construção
destes mecanismos que nos desumaniza e nos violenta todos os dias.
Para encerrar esta
minha exposição sobre a palestra de ontem e essa apresentação dos dados que
constam no sumário executivo da pesquisa (Cliquem aqui e vejam o sumário) divulgado hoje,
dia 2 de abril, discorro sobre um dos principais problemas encontrados no
processo formativo dos policiais. A “Dupla
entrada” seria um desses problemas na visão da pesquisadora. Entendi sobre
a dupla entrada que: os oficiais entram por um caminho que exige outros níveis
de formação e conhecimento (muitos com mestrado e doutorado compondo os mais
altos escalões hierárquicos da polícia), por exemplo, sobre direitos humanos,
relações étnico-raciais, dentre outros; e outro caminho que entram os policiais
ou praças. O que não deixa de exigir um determinado conhecimento e formação. Mas há um fato que não se pode negar que é a existência da diferença de
formação e posições que serão assumidas dentro da corporação. Principalmente sobre a questão do preconceito racial.
Compreendo que a
diferença nas posições hierárquicas possa ocorrer, mas no âmbito da formação
dos policiais, o que percebi na sua fala, é que existem discrepâncias entre o
que é ensinado nas formações (por exemplo: cursos sobre Ação Afirmativa e Relações Étnico-Raciais) e o que está sendo “executado” pela policia na
ponta das operações no dia a dia.
A professora nos falou
da necessidade de propostas mais consistentes por parte do Associativismo Negro (termo que compreende diversos setores da
sociedade, indivíduos e inclusive o movimento negro) na dimensão da segurança
pública, pois essa dimensão ainda é pouco permeada por proposta efetivas que
visem à transformação ou reformulação da sua prática, que de acordo com os dados
é racializada e desigual.