Objetivos e intenções do Onda Negra.

O Onda Negra surge como um desejo de exteriorização de algumas reflexões que estão diretamente ligadas à questão racial. Almejamos com este espaço a problematização e discussão sobre temas como o racismo, o preconceito racial e a discriminação. Possivelmente, veremos também discussões sobre processos que apontam para uma predominância da desigualdade social e racial no nosso país.

Em alguns momentos, apresentaremos sugestões, análises e reflexões de filmes que abordam diretamente ou indiretamente a temática racial, ou, que dialoguem com a mesma. Salientamos que dentro desta proposta não deixaremos de abordar, por exemplo: a questão de gênero, os processos do mundo do trabalho e a questão racial, a questão da violência racial e, principalmente, alguns processos que envolvam reparação e ganhos para a população negra, como no caso das políticas de Ações Afirmativas.

Por último, explicamos que a origem do nome Onda Negra foi pensado a partir do livro da Celia de Azevedo, "Onda negra, medo branco". Nesse livro, a autora estabelece um intenso debate em torno das "questões senhoriais travadas por abolicionistas e imigrantistas ao longo do século dezenove. Decerto esse debate ainda se arrastaria pelo tempo não fosse a intervenção dos próprios escravos com suas ações autônomas e violentas, aguçando os medos da 'onda negra', imagem vívida forjada no calor da luta por elites racistas."

Sendo assim, julguei pertinente fazer uma alusão a esta "onda negra" que se tratava do medo das elites com os retrospectos das lutas anti-escravistas (ou por libertação dos negros escravizados) como por exemplo, a Revolução Haitiana; para tratar dos problemas contemporâneos que envolvem a condição do negro em nossa sociedade. Enquanto as lutas ganham força por ganhos de direitos, por igualdade de condições no mercado de trabalho em relação aos brancos, por políticas de reparação e de inclusão com as Ações Afirmativas, percebe-se que todo esse movimento ainda desperta em alguns grupos da nossa sociedade um incômodo, uma desconfiança e a meu ver um medo.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Por um 2014 sem racismo!

Hoje, penúltimo dia do ano de 2013, não esperava que tivesse algo para escrever ou relatar. Eis que o danado e o famigerado do racismo deu o ar da graça mais uma vez. Foi lamentável. Compartilharei com vocês...


Numa saída rápida ao centro da cidade de Araraquara, eu e minha companheira decidimos dar uma passada no Shopping Lupo para comprar algumas coisas que precisávamos. Nessa rápida incursão, não pude deixar de pensar nos acontecimentos dos “Rolezinhos” ao observar os olhares dos seguranças para mim, mas segui adiante... Eu e minha companheira decidimos nos separar, para não passarmos muito tempo lá dentro. Traçado nosso objetivo, segui ao banco, foi lá onde tudo aconteceu.


Ao entrar no banco para fazer um saque rapidamente me deparo com uma jovem e uma senhora que começava a fazer sua operação no caixa rápido. Eu olhei rapidamente para ela e fui fazer a minha transação. Como já estou acostumado aos olhares desconfiados de algumas pessoas, não pude me furtar de olhar para ver qual seria a reação delas. Primeiramente a jovem me olhou e já se aproximou da senhora, em seguida, a senhora percebendo a aproximação repentina da jovem olhou para o lado para ver o que se passava. Advinha o que ela viu? Um homem negro, de bermuda e camiseta sem ser de marca, com pequenos furos infelizmente pelo desgaste do tempo e, de dreadlocks. Sei que em boa parte desse país essa não é uma imagem que se espera de um “homem de bem”, como também sei que essa é uma percepção retrógrada. Na realidade, para elas (a jovem e a senhora), eu oferecia perigo.


A senhora rapidamente tirou seu cartão e disse em alto e bom tom “esse terminal sempre dá problema...”. Saiu e foi para outro terminal bem longe de mim. Como gosto de pagar para ver, terminei a minha operação no caixa do banco e fui testar o caixa que ela disse estar com problemas. Adivinhem o que aconteceu meus caros amigos e minhas caras amigas? O caixa eletrônico funcionou perfeitamente. Sem mais delongas e sem adentrar em mais detalhes, fica mais do que evidente o que se passou nessa situação que vivenciei.


Racismo! O imaginário preconceituoso delas alertava: “Tem um negro aqui do lado e ele pode estar nos espreitando para nos assaltar”. Até quando viveremos cenas e situações como estas?


Por isso, decidi deixar este relato como última postagem do ano e, esta mensagem a seguir que, ao mesmo tempo, expressa o meu desejo de que o ano de 2014 seja de mais conquistas para a população negra, aqueles que não se identificam como negros ou que são brancos possam ter mais consciência do que está em pauta nas nossas lutas e reivindicações. Por fim, que tenhamos mais anos novos sem racismo!



quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Opiniões preconceituosas de uma “falácia midiática pseudo intelectualizada”


O nome dela é Rachel Shererazade. Essa apresentadora âncora do jornal do SBT ficou conhecida por um vídeo em que tecia uma argumentação calorosa contra a corrupção e os mandos e desmandos da família Sarney no Maranhão. Até aí tudo bem! Quem não se empolgou com uma apresentadora de tele jornal com a coragem de fazer o que ela fez? Mas o pior vem a galope... Doce ilusão acreditar que por ela ser crítica num momento especifico sobre questões da política e da corrupção brasileira, ela, por tabela, teria uma consciência realmente crítica dos fenômenos sociais que vem assolando a grande parcela da população deste país que é pobre, moradores de periferia e negros.

Ela realmente mostrou quem é. Ela nos mostrou que não passa de mais uma “pseudo-crítica” que julga entender de determinados problemas do nosso país, como a questão da segregação espacial, discriminação racial, racismo, desigualdade social, dentre outros assuntos correlatos, mas na verdade ela não passa de uma “falácia midiática pseudo intelectualizada”. Ela demonstrou uma concepção que não é muito diferente da elite racista que acha que lugar de pobre é na periferia mesmo e que ir ao shopping é um direito que não lhes cabe. Concepções de uma elite branca abarrotada de visões estereotipadas, preconceituosas e racistas.


Vejam o vídeo e os absurdos pronunciados por ela:




“Não precisa ser sociólogo para perceber que a molecada que marca esses encontros quer, acima de tudo, reafirmar sua existência. E mesmo alguns tumultos que possam causar têm a ver com isso. É como se gritassem a plenos pulmões: “Ei, eu existo, pô!” Boa parte dos jovens negros e pobres da periferia nascem e morrem diariamente sem que o Estado esboce um bocejo de preocupação ou que o restante da sociedade fique sabendo” - Sakamoto.


Como o Sakamoto bem disse: não precisa ser um cientista social ou sociólogo para perceber a mensagem destes jovens que estão cansados da discriminação e dos olhares ofensivos quando tentam ir sozinhos ou em pequenos grupos nesses “espaços de luxo”. Por que esses jovens não podem fazer estes rolezinhos no shopping? A elite branca e rica tem medo dos arrastões? De assaltos? Esses problemas têm uma origem e têm cor? Eles persistem e não serão com comentários despreparados e preconceituosos, como os dessa apresentadora de tele jornal, que conseguiremos entender a raiz do problema social que estes jovens estão demonstrando para nós.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Ei seu polícia! O espaço é público e eu tenho o direito... – Cala boca marginal.

No artigo de hoje decidi tratar sobre duas questões que me chamaram à atenção nos últimos dias. A primeira diz respeito aos “arrastões” no Rio de Janeiro e a segunda, se refere aos jovens detidos num shopping center em Vitória quando procuravam se proteger de uma investida policial num baile funk. As análises e argumentações terão como ponto de partida as matérias que trataram de tais fatos.



Neste momento, peço que vejam o vídeo que mostra as cenas do arrastão no Rio de Janeiro.

O quê vem na sua cabeça ao ver essas cenas? Com certeza alguns sentimentos de raiva, de revolta, de injustiça e de vulnerabilidade tomarão nossas mentes e corpos. Mas, e se eu perguntar para quem serão direcionados esses sentimentos? Terá cabimento uma pergunta como essa? Quantas vítimas enxergaram no vídeo? Posso dizer que existem várias vítimas ali? Certamente sim. Vejo turistas sendo assaltados e agredidos. Ainda vejo jovens sendo agredidos, mas não assaltados. Vejo desespero e o não medo do perigo, do risco (guardem essas duas palavras que as retomarei depois). Espera um pouco! Esses jovens tem cor. Não se pode fazer uma análise e tentar discutir sem levar em conta a cor daqueles jovens no vídeo. Então, vi vários jovens negros sendo agredidos e agredindo. Alguns tentando roubar e outros tentando ajudar as possíveis vítimas do assalto. Essas vítimas também tem cor. Eram brancas, aparentemente turistas.



Muitos indignados dirão: bando de vagabundos por que não vão procurar um emprego. Ficam querendo roubar. Querem vida fácil. Saem das favelas e vem nos tirar o sossego aqui na “nossa praia”. Opa! Mas a praia não é um espaço público? Como pode ser de uma minoria que é identificada como a elite carioca? Ao ler a matéria sobre “Praia democrática é mito” consegui entender o que já vinha pensando. Esse espaço não é democrático e não é público, pelo menos na prática. Pode até ser no discurso, mas, no dia a dia, eles são segregados. Não vejo palavra melhor que expresse essa divisão entre espaço de ricos e pobres, de brancos e negros.

Calma pessoal. Não estou querendo criar e nem ver como apartheid (como visto na África do Sul) ou como segregação racial (como foi nos Estados Unidos) esses conflitos no Rio de Janeiro. Entretanto, uma coisa é certa.  Não dá para vermos imagens como essas do vídeo, essas fotos e acharmos que isso é só um problema de falta de vontade para procurar emprego ou trabalho, ou uma bandidagem pura e simples. Sabemos muito bem que muitos desses jovens negros são discriminados em muitas etapas da sua vida.

Não quero justificar como algo positivo ou plausível os arrastões. E nem por na conta dos condicionantes históricos, que sempre imputou para o negro uma situação de marginalização no amplo sentido, a culpa por todos esses problemas. Dito isso, eu só quero que entendamos que o fato de um jovem negro sair da sua casa, na favela que fica na zona norte, para tentar assaltar turistas (brancos) nas praias da zona sul do Rio de Janeiro, tem muito a nos dizer. Não é uma simples coincidência de percurso ou trajeto. Existe algo que está para além do simbólico e que é real.

Há uma insistente desigualdade social e racial que dilacera a vida desses jovens negros. Não sou capaz de discorrer e nem quero fazer generalizações sobre suas motivações. Suas ações podem ser conscientes ou inconscientes. Mas que elas nos dizem muitas coisas, isso dizem. Geralmente os assaltantes premeditam, escolhem a melhor hora para o assalto para correr o risco de ser preso. Mas o que fazem estes jovens se lançarem na praia para tentar roubar correndo o risco de serem espancados e presos? Que falta de medo é esta ou, melhor dizendo, excesso de coragem que os tomam e os fazem agir com tanta indignação ou quem sabe até revolta? Creio que podemos também pensar nessa palavra revolta.





Vejam alguns trechos que julgo interessantes e que foram apresentados na matéria que citei logo acima.


No mundo inteiro, diziam que quem era civilizado ia à praia, que era elegante ir à praia. Chamo essa campanha na minha tese de “projeto praiano-civilizatório”, em que a praia deveria ser ocupada, sim, mas dentro de um modelo de “elegância e civilização”, como eles diziam. Essa campanha começa a surtir efeito a partir da década de 1920. As praias começam a encher, e isso acompanha o boom demográfico de Copacabana, a partir da década de 1940, quando o bairro começou a ser associado à nova elite do Rio. Esse primeiro momento de ocupação da praia, portanto, não é democrático. A praia era um espaço exclusivo das elites. Nem ônibus entrava ali ainda. (Grifo feito por mim)

[...] E agora todos tinham de lidar com as praias lotadas de trabalhadores. De tanto alardear a campanha, o desejo de ter acesso ao mundo elegante à beira-mar passa também a ser a vontade de diferentes camadas sociais. E aí, no início da década de 1930, começam a aparecer textos muitíssimo inflamados nos jornais reclamando dessa suposta “invasão”.

É no início da década de 1930 que a elite começa a recobrar a tal “exclusividade”?

Sim. Começam a se referir às pessoas até como “animais”. (Lê um trecho do jornal “Beira-Mar”, de 1929, que usa em sua pesquisa: “esse referver de criaturas, bem ou mal vestidas, limpas ou sujas, de todas as cores ou nacionalidades afeia os balneários, que se assemelham a praias habitadas de focas, não a praias vaidosamente chamadas de elegantes”, ou: “Não somos dos que entendem fazer de Copacabana um lugar exclusivo dos ricos e dos estetas, o que defendemos é a ordem e a beleza social das nossas praias. Sejamos progressistas, mas separando o joio do trigo”).


O conceito de praia democrática, então, é um mito?

Sim. É um mito. Um exemplo é a chegada do metrô ao Arpoador, que provocou aquela chiadeira da população, dizendo que ia virar “lugar de favelado”. E isso gerou, de fato, um deslocamento: há uma população segmentada na praia que é majoritariamente negra. O que no nosso país quer dizer majoritariamente pobre, por nossas peculiaridades históricas. Não existe a mistura. Se um grupo de meninos negros chega ao Posto 10 e começa a fazer uma festa, no dia seguinte as pessoas vão se mudar para o Posto 11. É fato.



Depois dessas passagens, vocês conseguem entender que foi construído um ideário, um discurso, ou até mesmo, uma prática que ainda tenta impedir que os jovens negros, pobres e favelados frequentem determinados locais.

A partir deste momento, que estamos falando de determinados locais, como podemos relacionar este fato que aconteceu no Rio de Janeiro com o fato que ocorreu em Vitória, com jovens negros detidos no shopping center?



Montagem feita pelo autor do blog. Qualquer semelhança não é mera coincidência. 


Antes lançarei algumas informações sobre o que se conhece hoje como a “indústria dos Shoppings Centers”.

“O segmento de shopping centers ocupa hoje papel relevante no comércio de varejo no Brasil. Desde a inauguração da primeira unidade (em 1966), o setor registra crescimento de cerca de 100% a cada quinquênio. Tal expansão ocorre mesmo em períodos de desaceleração da atividade econômica do país, o que indica que os shoppings centers estão, em muitos casos, substituindo o comércio de rua.” (trecho retirado da minha dissertação de mestrado).

Para a Associação Brasileira de Shoppings Centers (ABRASCE): “A indústria de Shopping Centers do Brasil fechou o ano de 2010 com um faturamento de R$ 87 bilhões, ante os R$ 74 bilhões de 2009, um aumento de 17,5% no período, segundo dados da Associação Brasileira de Shopping Centers - Abrasce. No ano passado foram inaugurados 16 empreendimentos, que, com os dez já inaugurados em 2011, somam 418 centros de compras desse tipo no Brasil.”.

Ao pensar no caso do shopping de Vitória, vocês conseguem perceber onde estes garotos foram tentar se proteger? Em que espaço, erroneamente pensado como público, eles foram buscar proteção? Essa indústria certamente está nas mãos de uma seleta minoria e nem preciso dizer qual a cor dessa minoria. Sendo assim, que paralelo podemos estabelecer com estes dois fatos que ocorreram?

Jovens negros, pobres, moradores de favelas e periferias, “mal vestidos” ou não vestidos como o ambiente lhes impõem, com o sentimento de que são indesejados e, consequentemente, sendo vistos como marginais e/ou criminosos. Quem dá o direito a essa minoria e ao imaginário social de associar glamour, luxo e poder aquisitivo com brancura (no sentido de qualidade de branco)? E se pensarmos o contrário de tudo isso, quem tem o direito de associar com negrura (no sentido de qualidade de negro)?

Cabe fazer uma ressalva ao estilo de preconceito identificado no nosso país relembrando o grande estudioso Oracy Nogueira, que bem fundamentado, nomeou o preconceito presente no Brasil como “Preconceito de Marca”. Com essa denominação feita por ele, não tenho dúvidas de que ela se encaixa perfeitamente com os fatos que presenciamos ultimamente. Entenderam? Shopping, Praia, Glamour, Elite, Luxo, Branco, Negro, Pobreza, Preconceito e Marca.

Para finalizar, existe ou sempre existiu a tentativa de expurgar a pobreza de certos espaços visto como de elite. Não é por acaso que ainda encontramos pessoas que nos dizem: e você vai sair assim para ir ao shopping é? Com esta roupa surrada e este chinelo? O nosso inconsciente está impregnado de informações que reforçam a noção de que determinado local, ou, o shopping é um espaço de poder, de luxo e, como tal, temos que nos fazer “apresentável”. Quando não nos fazemos “apresentável” o que acontece? Direi a vocês: seguranças andando atrás da gente pelo shopping, atendentes de lojas nos desprezando por nos julgar incapazes de termos condições financeiras para comprar algum produto da sua loja, segurança de supermercado duvidando se o carro no estacionamento é mesmo nosso, e tantas outras situações que passaria o resto do dia aqui descrevendo.

O que é “apresentável”? É parecer rico? É ser branco ou parecer branco? Ah! Já sei. É não parecer marginal? Mas e como é parecer marginal? Ei! Mas mesmo que me “vista bem” ainda sou parado pela polícia e recebo em muitas das vezes seus olhares interrogadores. Será que o problema está no estereotipo ou na minha cor? Ou é uma questão de problema macro estrutural?


Eu tenho minhas conclusões. E vocês?