Objetivos e intenções do Onda Negra.

O Onda Negra surge como um desejo de exteriorização de algumas reflexões que estão diretamente ligadas à questão racial. Almejamos com este espaço a problematização e discussão sobre temas como o racismo, o preconceito racial e a discriminação. Possivelmente, veremos também discussões sobre processos que apontam para uma predominância da desigualdade social e racial no nosso país.

Em alguns momentos, apresentaremos sugestões, análises e reflexões de filmes que abordam diretamente ou indiretamente a temática racial, ou, que dialoguem com a mesma. Salientamos que dentro desta proposta não deixaremos de abordar, por exemplo: a questão de gênero, os processos do mundo do trabalho e a questão racial, a questão da violência racial e, principalmente, alguns processos que envolvam reparação e ganhos para a população negra, como no caso das políticas de Ações Afirmativas.

Por último, explicamos que a origem do nome Onda Negra foi pensado a partir do livro da Celia de Azevedo, "Onda negra, medo branco". Nesse livro, a autora estabelece um intenso debate em torno das "questões senhoriais travadas por abolicionistas e imigrantistas ao longo do século dezenove. Decerto esse debate ainda se arrastaria pelo tempo não fosse a intervenção dos próprios escravos com suas ações autônomas e violentas, aguçando os medos da 'onda negra', imagem vívida forjada no calor da luta por elites racistas."

Sendo assim, julguei pertinente fazer uma alusão a esta "onda negra" que se tratava do medo das elites com os retrospectos das lutas anti-escravistas (ou por libertação dos negros escravizados) como por exemplo, a Revolução Haitiana; para tratar dos problemas contemporâneos que envolvem a condição do negro em nossa sociedade. Enquanto as lutas ganham força por ganhos de direitos, por igualdade de condições no mercado de trabalho em relação aos brancos, por políticas de reparação e de inclusão com as Ações Afirmativas, percebe-se que todo esse movimento ainda desperta em alguns grupos da nossa sociedade um incômodo, uma desconfiança e a meu ver um medo.

sábado, 8 de março de 2014

Viva o 8 de março! "Viva" para quem?



Por Rafaela Rabesco¹

Hoje é dia de celebrar, não é mesmo? Claro que é! Toda a publicidade de eletrodomésticos, cosméticos, remédios para emagrecimento e rejuvenescimento, flores, chocolates e ursinhos de pelúcia está em festa! Viva o nosso salário 30% menor! Acho que é até proposital essa data estar tão próxima ao carnaval, o período por excelência da alegria programada e da coisificação dos nossos corpos! Viva a ditadura da beleza! Viva as cantadas de rua! Viva o julgamento dos nossos corpos! Viva o julgamento das nossas roupas! Viva a nossa sexualidade tabu! Viva o nosso medo de sair a noite! Viva os estupros que sofremos porque 'estávamos pedindo'! Viva o direito sobre nossos corpos que nos é roubado! Viva o perigo dos abortos clandestinos! Viva os "tinha que ser mulher"! Viva! Viva!
Dêem-nos muitas rosas, para agradecer e lembrar que - ufa!- vocês não estão no nosso lugar.


E a todas as mulheres: muita força para continuar a luta que é viver nessa sociedade de extremo 'amor às mulheres'. Sem mais.



1- Rafaela Rabesco é Socióloga e mestranda no Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFSCar. Atua como professora de Música e Canto no Programa de Educação Integral do município de Araraquara. Além disso, elabora e executa projetos educacionais de musicalização africana e indígena voltados à formação continuada de professores da rede pública de ensino.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Solomon Northup, Vinícius Romão e os açoites da violência racial.

Subtítulo:

Aspectos da violência que até hoje machucam o corpo e a mente dos negros deste país.


Confesso que ainda não consegui esquecer o caso do Vinícius Romão. Eu sou negro e sei como é parecer suspeito e estar sempre sob o olhar sanguinário e racista de alguns policiais. Sei que o problema não é somente uma questão de "quem é a culpa pelo que aconteceu com ele", mas sim um problema de ordem estrutural da nossa sociedade brasileira. Não podemos negar que a nossa sociedade é racista. Essa é uma triste afirmação, mas é a nossa realidade.


Vários casos de racismo pipocam quase todos os dias nas redes sociais e temos que estar cientes que estamos passíveis de sermos os próximos. A cada dia que passa, pelo menos quem já sofreu algum tipo de discriminação, temos que permanecer com a guarda firme e sempre alerta para não sermos pegos de surpresa e sabermos agir imediatamente quando este mal (o racismo, a discriminação/preconceito racial) acontecer.


Este texto é fruto de uma reflexão maior que fiz no artigo anterior sobre o filme “12 anos de escravidão”. A ideia já estava pronta e a reflexão também, mas antes era necessário expor o meu entendimento do filme e os aportes que ele nos dá para pensar o hoje. Principalmente no que se refere ao caso do Vinícius Romão. O que aconteceu com ele é o que já vem acontecendo com muitos negros e negras que sofrem variados tipos de violência racial quase todos os dias.


Gosto muito de trabalhar com imagens. Montei estas aqui e queria que refletissem. Vejam os efeitos da violência racial e as suas marcas na feição do Solomon Northup, personagem real, muito bem interpretado por Chiwetel Ejiofor, antes de ser vendido como escravo e depois do contato com os efeitos deste sistema perverso que mantém suas raízes fincadas nas nossas relações até hoje:





Depois de observar as fotos do personagem Solomon, vejam o antes e o depois da prisão equivocada do Vinícius:





Conseguem perceber os efeitos da transformação facial e do olhar? O primeiro ficou 12 anos sofrendo as perversidades do sistema escravista dos Estados Unidos. O segundo ficou mais de duas semanas preso injustamente pelo simples fato de ser negro e parecer com o suspeito.


O que observamos de incomum entre o personagem vivido por Chiwetel Ejiofor e o Vinícius Romão? Eles são negros! Negros no pleno desfrutar da sua liberdade... Um buscava emprego e o outro saía do emprego... Igualdade de direito para negros na sociedade escravista poderia ser visto como um sonho quase utópico, todavia, a partir de muita luta, tornou-se realidade. Avançamos e tivemos alguns ganhos. Mas será que estes ganhos foram suficientes? No que tange ao Vinicius Romão, podemos dizer que houve avanços no tratamento com os negros hoje em dia? Anos se passaram e a cena se repetiu. Em formas e contextos diferenciados. Mas a violência teve seu ritual assegurado. Vimos mais um negro, dentre tantos outros, ter sua liberdade cerceada, encarcerado indevidamente e só depois de dias, entre muito apelo e campanha para a sua soltura, Vinicius foi liberado e está livre.


Ah! Livre entre aspas não é. Nunca dá para termos uma liberdade por completo. O sobressalto sempre fará parte do nosso cotidiano. Ambos tiveram a vida revirada. O corpo e a mente violados por agressões, injúrias e o peso de um trauma que não trará novamente a vida de antes.


Preocupo-me, pois sei que o que aconteceu com o Romão pode acontecer comigo a qualquer momento. Com você ou com um dos seus familiares. Então, essa é a minha forma de expressar a minha indignação e pedir que não deixemos este fato cair no esquecimento e ser mais uma estatística fria e inanimada. Temos que dar vida e força para buscarmos mudanças. 


Fiquei pensando durante os acontecimentos: será que existe curso de formação de “Educação para Relações Étnico-Raciais” para policiais, delegados e/ou todos envolvidos com a justiça (direta e indiretamente) deste país? Não que queira dizer que seja só responsabilidade da educação nos livrar do racismo institucional ou institucionalizado, mas que já seria um caminho isso seria. Eu nunca ouvi falar e nem vi nenhum tipo de divulgação. Fica a pergunta.

terça-feira, 4 de março de 2014

12 anos de escravidão – Na história de um homem, a história de um povo.




Para ser bem sincero, eu nunca fiquei tão feliz e empolgado com o Oscar como eu fiquei ao saber das premiações de Lupita Nyong’o como melhor atriz coadjuvante e de melhor filme para “12 anos de escravidão”. É óbvio que a minha alegria se deve à importância e à representatividade de termos como ganhadores do prêmio: uma atriz negra, nascida no México e criada no Quênia, um filme dirigido por um diretor negro, o britânico Steve Mcqueen e, principalmente, pela audácia e grandiosidade do filme em apresentar para o mundo a história de Solomon Northup, um homem negro, livre, que foi vendido como escravo e submetido a 12 anos de escravidão. Ele sentiu no corpo e na mente as agruras e violências de um sistema que marcou a história e a vida de um povo africano e, concomitantemente, dos seus descendentes, muitos negros da América e outros que foram espalhados pelo mundo.

Peço licença e desculpas, pois, nas reflexões que farei sobre o filme, lançarei mão de alguns spoilers.

Não é novidade nenhuma que este filme já nasceu um grande clássico e, especialmente, representa um grande marco na história do cinema norte-americano e mundial, no que se refere ao tratamento da questão do negro, da escravidão, do racismo, da segregação e/ou do preconceito racial e etc.. Sem falar que é a primeira vez que um diretor negro tem o filme que dirigiu escolhido como o melhor filme dentre os concorrentes na entrega do Oscar. Esta também é uma grande vitória.

Na minha leitura do filme, percebo um toque diferente, um toque de genialidade e sensibilidade que o torna um divisor de águas. Já assistimos alguns filmes que remontaram o passado escravista estadunidense, que construíram de diversas maneiras as crueldades cometidas com os primeiros negros escravizados no continente africano e trazidos para a América. Lembremos-nos do filme “Amistad” que considero como estando no mesmo patamar de intensidade e força. Mas dessa vez, não foi preciso reconstruir a viagem até o continente africano para mostrar o que foi a escravidão. Nem partir de uma história em que os escravos já estavam subjugados aos montes nas senzalas e sendo violentados e assassinados todos os dias.

O que aconteceu foi que Steve Mcqueen encontrou a história de Solomon Northup. Um homem negro e livre que vivia em Saratoga, no norte dos EUA. Neste período, o fim da escravidão já tinha sido decretado. Sendo assim, além de um negro livre, Solomon era violinista e, como vimos no filme, ajudava a sua esposa na complementação da renda familiar ou, se preferirem, no sustento da família. Em uma das cenas, ao entrarem num estabelecimento comercial, fica evidente que era a sua esposa, uma mulher negra, que decidia o que comprava ou o quanto gastava. Ela pergunta sobre o preço de um produto e Solomon se assusta com o preço e age como se não fossem comprar, logo, sua esposa olha para o vendedor e diz que levará e pede para que o mesmo o coloque junto com os outros produtos. Portanto, no meu entender, já vemos no início do filme a figura central da mulher negra na manutenção e sustento do lar e da família.

Solomon como um grande violinista que era, recebe uma oferta de emprego de dois homens brancos, que o enganam, sequestram e o vendem para o sul do país, onde a escravidão permanecia firme. É a partir daí que o filme se torna um divisor. O excelente ator Chiwetel Ejiofor (que interpreta Solomon Northup) foi fundamental. A transformação no brio e no olhar que o personagem vai sofrendo com as violências a que frequentemente é submetido, é de uma grandeza e vivacidade descomunal. O que me marcou foi o olhar. Isso mesmo! A mudança que o seu olhar foi sofrendo, deixando para trás um olhar altivo e autônomo para encarnar um olhar de raiva, desespero e pavor.



Ao ser enganado pelos possíveis contratantes, Solomon acordou no dia seguinte com grilhões nos pés, mãos acorrentadas e sem entender o que se passava. Essa cena do seu despertar é fantástica. Na noite do encontro com os contratantes via-se um homem livre, na manhã seguinte um homem escravizado. Nessa cena, encontra-se uma das maiores riquezas do filme. Esta cena foi realizada com tal grau de vivacidade e realidade que foi suficiente para nos deixar angustiados e sem ar.

Pensemos: você nasce livre e alguém, um homem branco, da noite para o dia, te diz e quer te fazer entender que você é um escravo fugido. Naquele momento, sua liberdade acabava de ser roubada ou capturada. O mix de raiva, indignação e não entendimento sentidos por Solomon sobre a situação em que foi colocado torna-se um fato compreensível na cena e na história. O pior vem em seguida...

Como fazer um negro livre deixar de assumir e gritar com todas as suas forças que é livre e compreender que agora é um escravo? É nessa cena que se instaura a violência simbólica e real. Eles puxam as correntes de tal maneira que deixaram Solomon numa posição curvada, com mãos e pés amarrados, sem poder de reação. Lendo a cena do filme, posso dizer sem titubear que a forma que o colocaram para ser espancado, foi uma maneira de “quebrar” a sua dignidade e sua altivez, fazê-lo perceber que ali não existia um homem livre, mas sim, um negro, um “ser inferior” que estaria abaixo dos seus superiores e donos.

Os acoites e as pauladas desferidos nas costas de Solomon até se quebrarem, bem como as injúrias e xingamentos, foram a fórmula para condicioná-lo à situação de escravizado. O seu silêncio depois de estar com as costas ensanguentadas e com a carne dilacerada, foi a resposta que ele pode dar para os seus algozes sobre a pergunta que o faziam constantemente: você é um escravo?



Depois disso, Solomon se tornaria um escravo. Mentalmente ainda houve resistência, mas o seu corpo estava escravizado. Sua mente resistiu até onde conseguiu. A morte parecia só uma questão de tempo. A subserviência, em muitos casos, era o passaporte para a sobrevivência. Resignar-se, momentaneamente, se transformou em estratégia para se manter vivo, enquanto não encontrava uma alternativa que o fizesse sair daquela situação.
O filme “12 anos de escravidão” para além destas questões que acabei de abordar, nos permitiu ver outros temas que estavam inseridos na história do Solomon. E o filme retratou muito bem esses temas.

Solomon Northup não foi um negro escravizado que se rendeu facilmente à situação que foi submetido. Em boa parte do filme ele tenta mostrar que tinha algo diferente dos demais e que estava para além de sua cor. Mas isso não adiantava. Ele poderia ser letrado, ter conhecimentos sobre o mundo, a política e a música que um fator lhe condicionava ao escravismo, a cor da sua pele. Ele era negro igual aos outros e tal condição o remetia à condição de escravo.

Ele passou por algumas fazendas onde a relação com os senhores de escravos tinha uma escala de variações entre: ruim, pior e muito pior. Primeiramente, vemos numa das cenas a relação das negociações e valorações do negro enquanto mercadoria, um produto a ser vendido. Depois de ter sido vendido, para um senhor religioso, cristão, a vida do Solomon poderia ser mudada se o senhor dele realmente o escutasse e quisesse ajudá-lo. Mas Solomon custou caro. E nesse quesito, religião e economia não andam de mãos dadas quando a razão era a libertação de um negro que se dizia livre e injustiçado.

Esse senhor religioso que sempre realizava a leitura da bíblia para os seus escravos, teve que negociar a venda de Solomon para outro senhor, pois, Solomon num ato de fúria e desespero se defende das agressões de um branco que queria chicoteá-lo. Estaria aí o primeiro erro de Solomon? Num acesso de raiva, partir para cima de um branco e espancá-lo mesmo sabendo que isso poderia custar a sua vida? A resposta do branco não demorou, penduraram-no numa árvore com uma corda no pescoço para enforcá-lo, até que surgiu o capataz da fazenda em defesa da propriedade do patrão. E disse para os algozes que o negro era uma propriedade do senhor e eles não poderiam matá-lo, pois o senhor ficaria com prejuízo. Era uma cena muito comum naquele período: ver negros enforcados e alçados como um troféu e exemplo para os demais. A sensação de vê-lo pendurado, se esforçando para ficar nas pontas dos pés para se manter vivo, enquanto o capataz e outros negros não podiam retirá-lo de lá até a chegada do patrão, foi de chorar e machucar a alma.

Já vivendo como escravo do senhor Edwin Epps (Fassbender), um senhor brutal que trata seus escravos com mãos de ferro, as coisas só pioram. Mas mesmo assim, ele ainda tentou fugir algumas vezes, mas, na primeira quase foi enforcado novamente se não fosse uma identificação que explicava que ele era um negro de determinada propriedade e não um negro fujão. Acreditou num branco que se encontrava vivendo no mesmo espaço que ele, trabalhando nos mesmos campos de algodão, confiou-lhe suas economias para que este branco lhe enviasse uma carta que continha um pedido de socorro. Mais uma vez sua vida ficou por um fio e teve de usar de destreza para acabar com a desconfiança do senhor. A partir daí, como continuar confiando no homem branco? Como Solomon sairia daquela situação estando longe de casa, da família, dos amigos, de qualquer possibilidade de liberdade, se para onde tentasse olhar havia pessoas querendo matar mais um negro enforcado, linchado ou no tronco com inúmeros açoites?




Eis que surge um momento que realmente é bem espinhoso e o Steve Mcqueen consegue abordá-lo de uma forma que não me parece uma simples repetição de cenas que já vimos em outros filmes, nos quais existe sempre um branco que é colocado como o “salvador” de um negro escravizado. Creio que o diretor do “12 anos de escravidão” vai além nessa questão e nos possibilita um tipo de situação no filme que vai colocar explicitamente a aversão que muitos brancos do norte dos Estados Unidos, ou até do sul, tinham do sistema escravista e suas barbaridades. Esse era o caso do personagem interpretado por Brad Pitt que ao externalizar sua concepção enfatiza que discorda da forma que o senhor Edwin Epps (Fassbender) trata os negros em sua propriedade. Ele ainda afirma que tinha negros trabalhando para ele, mas que os mesmos recebiam salários, o que demonstra a concepção do personagem em reconhecer como direito dos negros receber pelo trabalho que realizavam.

O que vejo numa das últimas cenas são dois brancos discutindo as formas de como se deveria agir em relação aos negros não só nas fazendas de algodão, mas em todo o país. A cena se torna ainda mais emblemática e importante, quando visualizamos Solomon no meio dos dois senhores brancos. Dando a entender que as questões referentes ao negro dividia o país. Entre inúmeros debates e posições políticas, acadêmicas, culturais e econômicas. Essa forma de expor a cena para mim foi genial.

E, finalizando, a minha argumentação sobre este filme, temos que entender que naquele contexto, havia sim uma necessidade de uma tomada de responsabilidade por partes dos brancos no que se refere às condições às quais os negros foram submetidos. O Solomon tinha amigos brancos no norte dos Estados Unidos que o viam como um sujeito de direito, um homem negro livre e tão igual quanto eles. O abraço que Solomon dá no advogado, não é um simples abraço de gratidão, mas um abraço de amigo para o qual ele escreveu pedindo ajuda. Ele fala no decorrer do filme que poderia provar sua liberdade e que só precisaria escrever para amigos ou familiares para que os mesmos fossem ao seu encontro com os documentos. Temos que entender que naquele período, os brancos no sul escravista jamais deixariam um negro por mais letrado que fosse ter poder e autoridade nas suas propriedades.

Indubitavelmente era necessária a conscientização por parte de determinadas parcelas da população branca para que a justiça começasse a ser feita. Para que Solomon pudesse ter seus direitos salvaguardados. Daí ver a entrada dos negros nos espaços de poder, caberia a um momento mais à frente, com as políticas encampadas por Lincoln e as Ações Afirmativas. Não tenho dúvidas disso.

Por fim, entendo que o filme “12 anos de escravidão” se coloca na atualidade como um instrumento político que pode potencializar mudanças de concepções e avanços no debate atual sobre a figura do negro enquanto um sujeito de direitos e como protagonista da sua própria história. Falo isso, no sentido de que não se deve olhar a condição vivenciada por Solomon, com o olhar piedoso, mas com um olhar de indignação pela situação a qual ele foi submetido. Indignação pela condição que os negros foram subjugados a partir de uma ação imperialista (pensando no período das colonizações na América e neo-colonizações do continente africano) encabeçada por homens brancos, que devem sim, assumir sua responsabilidade política neste processo.

Observo que está inculcado na branquitude ou nos argumentos de muitos homens e mulheres brancos o reconhecimento da “carência” e/ou das dificuldades enfrentadas pelo povo negro, quando na verdade, o que deveria surgir seria o reconhecimento geral de que houve um privilégio, que foi construído historicamente, a partir dos vários séculos em que a população negra serviu de mão de obra escrava para o acúmulo de riquezas de muitas famílias brancas.

Por isso, reitero que as situações sentidas e vividas por Solomon, não só o fez perceber que não bastava ele sair daquela situação e voltar para casa, (que sem sombra de dúvidas era um fator muito importante para ele) mas que era preciso fazer algo a mais, algo urgente para que se extinguisse aquele sistema perverso. Assim, enquanto houvesse força vital dentro dele, ele a aplicaria na luta contra este sistema e na ajuda de outros negros e negras submetidos a tais condições de exploração e violência.

Com certeza, “12 anos de escravidão” nos abre muitas possibilidades de discussões e problematizações que precisam ser expostas para que entendamos que as reverberações vivenciadas por Solomon ainda nos assolam. Enfim, encerro com o agradecimento do Steve Mcqueen, pois, sinto que esta é uma das mensagens que o filme quer nos passar o tempo todo.


“Quero dedicar a todos que merecem não só sobreviver, mas viver. Esse é o grande legado de Solomon. E a todos que sofreram com a escravidão e ainda sofrem hoje.” — disse McQueen.