Objetivos e intenções do Onda Negra.

O Onda Negra surge como um desejo de exteriorização de algumas reflexões que estão diretamente ligadas à questão racial. Almejamos com este espaço a problematização e discussão sobre temas como o racismo, o preconceito racial e a discriminação. Possivelmente, veremos também discussões sobre processos que apontam para uma predominância da desigualdade social e racial no nosso país.

Em alguns momentos, apresentaremos sugestões, análises e reflexões de filmes que abordam diretamente ou indiretamente a temática racial, ou, que dialoguem com a mesma. Salientamos que dentro desta proposta não deixaremos de abordar, por exemplo: a questão de gênero, os processos do mundo do trabalho e a questão racial, a questão da violência racial e, principalmente, alguns processos que envolvam reparação e ganhos para a população negra, como no caso das políticas de Ações Afirmativas.

Por último, explicamos que a origem do nome Onda Negra foi pensado a partir do livro da Celia de Azevedo, "Onda negra, medo branco". Nesse livro, a autora estabelece um intenso debate em torno das "questões senhoriais travadas por abolicionistas e imigrantistas ao longo do século dezenove. Decerto esse debate ainda se arrastaria pelo tempo não fosse a intervenção dos próprios escravos com suas ações autônomas e violentas, aguçando os medos da 'onda negra', imagem vívida forjada no calor da luta por elites racistas."

Sendo assim, julguei pertinente fazer uma alusão a esta "onda negra" que se tratava do medo das elites com os retrospectos das lutas anti-escravistas (ou por libertação dos negros escravizados) como por exemplo, a Revolução Haitiana; para tratar dos problemas contemporâneos que envolvem a condição do negro em nossa sociedade. Enquanto as lutas ganham força por ganhos de direitos, por igualdade de condições no mercado de trabalho em relação aos brancos, por políticas de reparação e de inclusão com as Ações Afirmativas, percebe-se que todo esse movimento ainda desperta em alguns grupos da nossa sociedade um incômodo, uma desconfiança e a meu ver um medo.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

O que entendemos e podemos refletir sobre Branquitude?

Poderia nesta postagem discorrer sobre o que esta longa passagem, do livro, Psicologia Social do Racismo - Estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil, tem a nos dizer. Mas preferi transcrever o trecho visto a sua importância e potencialidades de reflexões que podem ser retiradas dele ou da discussão proposta pelas autoras.

O problema estrutural do racismo não é e nem pode ser somente uma culpa do negro ou somente um legado da escravidão. Existem outros fatores, imersos de complexidades, nas relações raciais brasileiras e um destes é a questão da Branquitude. O que se pode dizer sobre a percepção do branco e o seu papel como agente difusor de práticas e comportamentos racistas seja no passado seja na atualidade? O trecho a seguir foi transcrito das páginas 42-45 do livro acima.

[Uma psicóloga norte-americana, afirma que os brancos negam inicialmente qualquer preconceito pessoal, tendendo a posteriormente reconhecer o impacto do racismo sobre a vida dos negros, mas evitando reconhecer o impacto sobre as suas próprias vidas. Ela destaca o depoimento de uma das mulheres brancas que participava do curso sobre relações raciais na universidade:

– como uma pessoa branca, me dei conta de que pensava sobre racismo como alguma coisa que coloca outras pessoas em desvantagem, mas não tinha pensado no aspecto de seus resultados, o privilégio dos brancos, o que colocava vantagem... Eu via o racismo somente como atos individuais de agressão, não como um sistema invisível conferindo dominância para o meu grupo. –

Janet Helms, descreve a evolução de uma possível identidade racial branca não-racista que pode ser alcançada se a pessoa aceitar sua própria branquitude, e as implicações culturais, políticas, socioeconômicas de ser branca, definindo uma visão do eu como um ser racial.

Ela identifica seis estágios no seu modelo de desenvolvimento da identidade racial branca: contato, desintegração, reintegração, falsa independência, imersão/emersão e autonomia.

O estágio inicial, de contato, geralmente inclui uma curiosidade primitiva ou medo de pessoas negras, baseada em estereótipos aprendidos com amigos, na família ou na mídia, cujo objetivo, dentre outros, era restringir a própria consciência das questões raciais e a interação com as pessoas negras. Pessoas que estão nesse estágio, quando querem elogiar um negro, fazem comentários do tipo: “Você não age como uma pessoa negra”.

Algumas dessas pessoas podem permanecer neste estágio definitivamente, porém, certos tipos de experiência (interação crescente com pessoas negras e novas informações sobre racismo), às vezes, levam a uma nova compreensão da existência do racismo institucional e cultural, o que pode assinalar o início do estágio de desintegração.

Neste estágio aparece o desconforto da culpa, vergonha e, algumas vezes, raiva diante da identificação de suas próprias vantagens por serem brancos e o reconhecimento do papel dos indivíduos brancos na manutenção do sistema racista.

Para reduzir este desconforto, as pessoas podem convencer a si própria de que racismo realmente não existe ou, se existe, é culpa das vítimas.

Neste ponto, o desejo de ser aceito pelo seu próprio grupo racial, no qual a crença dissimulada ou explicita na superioridade branca está muito presente, pode levar a pessoa a readequar seu sistema de crenças para tornar-se mais coerente com a aceitação do racismo. (Podemos identificar este ponto como a falsa independência)

A culpa e a ansiedade associadas com a desintegração podem ser redirecionadas sob a forma de medo e raiva contra negros, que são agora acusados de ser fonte de mal-estar emocional.

Janet Helms sugere que é realmente fácil para os brancos ficarem paralisados no estágio da reintegração, particularmente se é possível evitar negros. Todavia, se há um catalisador para continuar a auto-reflexão, a pessoa questiona sua definição de ser branco e a justificação do racismo.

O indivíduo experimenta, então, um senso de alienação em relação aos outros brancos que não experimentaram o seu próprio racismo.

Desconfortável com sua própria branquitude, ainda incapaz de ser verdadeiramente qualquer coisa, o indivíduo pode buscar uma nova maneira, mais confortável, de ser branco. Esta busca é a característica do estágio de desenvolvimento imersão/emersão.
Estudar sobre brancos anti-racistas pode também oferecer aos negros a esperança de que é possível ter aliados brancos.

Para brancos, a internalização de uma nova percepção do que é ser branco é a tarefa básica do estágio de autonomia. Os sentimentos positivos associados a esta redefinição energizam os esforços pessoais para confrontar a opressão e o racismo na sua vida cotidiana. É um processo sempre em andamento, no qual a pessoa precisa estar continuamente aberta a novas informações e novas formas de pensar sobre variáveis culturais e raciais.

Os estudos de Edith Piza e Janet Helms são fundamentais porque nos auxiliam a focalizar o problema das relações raciais como um problema das relações entre negros e brancos e não como um problema do negro, como habitualmente se faz no Brasil; como se o branco não fosse elemento essencial desta análise, como se identidade racial não tivesse fortes matizes ideológicos, políticos, econômicos e simbólicos que explicam e, ao mesmo tempo, desnudam o silêncio e o medo.]



Livro: Psicologia Social do Racismo - Estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil – Iray Carone e Maria Aparecida Silva Bento.

Observação: o livro da Janet E. Helms é o Black and White racial identity: theory, research and practice. New York: Greenwood Press, 1990.

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