Poderia
nesta postagem discorrer sobre o que esta longa passagem, do livro, Psicologia Social do Racismo - Estudos
sobre branquitude e branqueamento no Brasil, tem a nos dizer. Mas preferi
transcrever o trecho visto a sua importância e potencialidades de reflexões que
podem ser retiradas dele ou da discussão proposta pelas autoras.
O problema
estrutural do racismo não é e nem pode ser somente uma culpa do negro ou somente um
legado da escravidão. Existem outros fatores, imersos de complexidades, nas
relações raciais brasileiras e um destes é a questão da Branquitude. O que se pode dizer sobre a percepção do branco e o seu papel como agente difusor de práticas e comportamentos
racistas seja no passado seja na atualidade? O trecho a seguir foi transcrito
das páginas 42-45 do livro acima.
[Uma psicóloga norte-americana,
afirma que os brancos negam inicialmente qualquer preconceito pessoal, tendendo
a posteriormente reconhecer o impacto do racismo sobre a vida dos negros, mas
evitando reconhecer o impacto sobre as suas próprias vidas. Ela destaca o
depoimento de uma das mulheres brancas que participava do curso sobre relações
raciais na universidade:
– como uma pessoa
branca, me dei conta de que pensava sobre racismo como alguma coisa que coloca
outras pessoas em desvantagem, mas não tinha pensado no aspecto de seus
resultados, o privilégio dos brancos, o que colocava vantagem... Eu via o
racismo somente como atos individuais de agressão, não como um sistema
invisível conferindo dominância para o meu grupo. –
Janet Helms, descreve a
evolução de uma possível identidade racial branca não-racista que pode ser
alcançada se a pessoa aceitar sua própria branquitude, e as implicações
culturais, políticas, socioeconômicas de ser branca, definindo uma visão do eu
como um ser racial.
Ela identifica seis
estágios no seu modelo de desenvolvimento da identidade racial branca: contato,
desintegração, reintegração, falsa independência, imersão/emersão e autonomia.
O estágio inicial, de
contato, geralmente inclui uma curiosidade primitiva ou medo de pessoas negras,
baseada em estereótipos aprendidos com amigos, na família ou na mídia, cujo
objetivo, dentre outros, era restringir a própria consciência das questões
raciais e a interação com as pessoas negras. Pessoas que estão nesse estágio,
quando querem elogiar um negro, fazem comentários do tipo: “Você não age como
uma pessoa negra”.
Algumas dessas pessoas
podem permanecer neste estágio definitivamente, porém, certos tipos de
experiência (interação crescente com pessoas negras e novas informações sobre
racismo), às vezes, levam a uma nova compreensão da existência do racismo
institucional e cultural, o que pode assinalar o início do estágio de desintegração.
Neste estágio aparece o
desconforto da culpa, vergonha e, algumas vezes, raiva diante da identificação
de suas próprias vantagens por serem brancos e o reconhecimento do papel dos indivíduos
brancos na manutenção do sistema racista.
Para reduzir este
desconforto, as pessoas podem convencer a si própria de que racismo realmente
não existe ou, se existe, é culpa das vítimas.
Neste ponto, o desejo
de ser aceito pelo seu próprio grupo racial, no qual a crença dissimulada ou
explicita na superioridade branca está muito presente, pode levar a pessoa a
readequar seu sistema de crenças para tornar-se mais coerente com a aceitação
do racismo. (Podemos identificar este ponto como a falsa independência)
A culpa e a ansiedade
associadas com a desintegração podem ser redirecionadas sob a forma de medo e
raiva contra negros, que são agora acusados de ser fonte de mal-estar
emocional.
Janet Helms sugere que
é realmente fácil para os brancos ficarem paralisados no estágio da reintegração, particularmente se é
possível evitar negros. Todavia, se há um catalisador para continuar a
auto-reflexão, a pessoa questiona sua definição de ser branco e a justificação
do racismo.
O indivíduo experimenta,
então, um senso de alienação em relação aos outros brancos que não experimentaram
o seu próprio racismo.
Desconfortável com sua
própria branquitude, ainda incapaz de ser verdadeiramente qualquer coisa, o
indivíduo pode buscar uma nova maneira, mais confortável, de ser branco. Esta busca
é a característica do estágio de desenvolvimento imersão/emersão.
Estudar sobre brancos
anti-racistas pode também oferecer aos negros a esperança de que é possível ter
aliados brancos.
Para brancos, a
internalização de uma nova percepção do que é ser branco é a tarefa básica do
estágio de autonomia. Os sentimentos
positivos associados a esta redefinição energizam os esforços pessoais para
confrontar a opressão e o racismo na sua vida cotidiana. É um processo sempre
em andamento, no qual a pessoa precisa estar continuamente aberta a novas
informações e novas formas de pensar sobre variáveis culturais e raciais.
Os estudos de Edith
Piza e Janet Helms são fundamentais porque nos auxiliam a focalizar o problema
das relações raciais como um problema das relações entre negros e brancos e não
como um problema do negro, como habitualmente se faz no Brasil; como se o
branco não fosse elemento essencial desta análise, como se identidade racial
não tivesse fortes matizes ideológicos, políticos, econômicos e simbólicos que
explicam e, ao mesmo tempo, desnudam o silêncio e o medo.]
Livro: Psicologia Social
do Racismo - Estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil – Iray Carone e
Maria Aparecida Silva Bento.
Observação: o livro da Janet E. Helms é o Black and White racial identity: theory, research and practice. New
York: Greenwood Press, 1990.
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